O acordo feito pelos partidos do centrão para a aprovação do relatório da reforma da Previdência na Comissão Especial retirou do texto — aprovado em primeiro turno na Câmara — a previsão de reajuste automático da idade mínima para a aposentadoria no futuro, sem a necessidade de nova proposta de emenda constitucional (PEC). Técnicos do governo e especialistas dizem que a retirada desse dispositivo vai exigir uma nova reforma em dez anos.
Isso será necessário para reequilibrar o sistema porque os brasileiros estão vivendo mais, num processo progressivo e contínuo. Segundo levantamento da Secretaria de Previdência e Trabalho, há 20 anos, os homens da cidade viviam até 76,56 anos, em média. Em 2017, eles passaram a viver até 79,18 anos.
A expectativa de vida dos homens na área rural passou de 69,84 anos para 78,97 anos nesse período. No caso das mulheres, a expectativa de vida era de 73,75 anos em 1999. Em 2017, chegava a 80,94 para quem vivia nas cidades. No campo, o indicador passou de 70 anos para 79,26 anos.
Despolitização
A necessidade de um novo aumento da idade de aposentadoria será ainda mais imprescindível porque os trabalhadores rurais ficaram de fora da reforma. Além disso, a idade mínima das mulheres ficou abaixo da que será exigida dos homens, disse um técnico que participou do levantamento.
Para o economista Paulo Tafner, da Fipe/USP, a ideia do gatilho da idade era despolitizar o tema, manter o sistema previdenciário equilibrado, mas dentro de parâmetros técnicos. Segundo ele, um ano a mais na expectativa de vida pode parecer pouco, mas representa 13 pagamentos de benefícios para mais de 30 milhões de pessoas:
— Foi uma pena. A reforma aprovada resolve o problema do passado, mas não resolve o problema do futuro — disse Tafner, acrescentando que o que motivou todas as reformas da Previdência nas últimas décadas no mundo foi justamente a pressão demográfica.
EUA e Itália já têm gatilho
Ele disse que o gatilho da idade mínima de aposentadoria vem sendo adotado como uma forma de precaução em vários países, como os Estados Unidos, a Itália e o Japão. No Brasil, seria uma forma de evitar as amarras políticas e se modernizar.
Flávio Ataliba, professor de Economia da Universidade Federal do Ceará, também destacou a importância do gatilho automático da idade mínima para ajudar a garantir a sustentabilidade do regime previdenciário brasileiro.
O país segue o modelo de repartição, no qual os trabalhadores que estão no mercado de trabalho contribuem para um bolo que financia a aposentadoria dos mais velhos. Com o percentual de idosos crescendo e o ritmo da entrada de jovens no mercado desacelerando, esse sistema fica fragilizado.
— Dado que o envelhecimento da população é uma tendência, o gatilho evitaria discussões permanentes do tema, apesar de gerar incerteza para os trabalhadores sobre a data exata em que eles poderiam se aposentar — afirma Ataliba.
Um dos empecilhos para a aprovação do gatilho foi a estratégia do governo de retirar da Constituição todos os parâmetros da aposentadoria — a chamada desconstitucionalização. O mecanismo também tinha sido incluído na reforma do ex-presidente Michel Temer, mas o texto acabou não sendo aprovado.
O governo Bolsonaro tentou reincluir o gatilho na apresentação de destaques (propostas de mudanças feitas por deputados) ao texto-base da reforma que saiu da Comissão Especial, mas foi derrotado pelo centrão.
Fonte: “O Globo”