A receita gerada pela atividade econômica de 1.856 cidades brasileiras não foi suficiente nem para custear a estrutura administrativa da Câmara dos Vereadores e da prefeitura, em 2018. Os dados são do Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), divulgado nesta quinta-feira pela entidade industrial do Rio de Janeiro. O indicador analisou a situação de 5.337 prefeituras que entregaram dados ao Tesouro Nacional.
O cálculo foi feito com base nas receitas que estão ligadas à atividade econômica municipal, além de arrecadações com tributos como ICMS, IPVA e IPI. Pela ótica da despesa, foram considerados os custos de manutenção da Câmara dos Vereadores e da administração do Executivo, sem levar em consideração as despesas do governo com saúde, educação, urbanismo e saneamento.
Isso significa que a economia dessas cidades não gera recursos sequer para pagar o mínimo do funcionamento da burocracia local. Segundo Jonathan Goulart, gerente de estudos econômicos da Firjan, a baixa geração de receitas é o principal entrave à gestão fiscal dos municípios brasileiro. Em 2018, 73,9% dos municípios tiveram a situação orçamentária avaliada como “difícil” ou “crítica”.
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— Temos hoje uma baixa capacidade de geração de receitas para o financiamento da estrutura administrativa, além de alta rigidez do orçamento por conta dos gastos com pessoal. Com isso, há dificuldade para um planejamento eficiente, e os investimentos são penalizados — afirma.
Em média, esses municípios gastaram, em 2018, R$ 4,5 milhões com a estrutura administrativa, enquanto as economias locais geraram R$ 3 milhões. Isso significa que essas cidades precisariam aumentar em pelo menos 50% as receitas geradas pela atividade econômica para ser sustentável.
Situação das contas dos municípios com base nas receitas próprias
A situação é mais preocupante no Norte e Nordeste, onde 71% e 45,6% dos municípios, respectivamente, têm situação insustentável. Já nas regiões Sul e Sudeste, os percentuais são menores, de 6,6% e 18,6%.
Para Vilma Pinto, pesquisadora do Ibre/FGV e especialista em finanças públicas, as regiões mais críticas são aquelas sem dinamismo dos serviços ou que possuem um pequeno valor de receitas oriundo do turismo. A receita do Norte e Nordeste é cerca de 30% da gerada nas demais regiões, enquanto não há grande disparidade nos gastos com custeio da estrutura administrativa.
— Isso gera uma perda de autonomia, uma vez que dependem de recursos transferidos de estados e União. Se precisar de um recurso adicional, não tem como ampliar. Não ter autonomia na gestão de receitas é ruim — explica.
Conforme o estudo, o cálculo de autonomia municipal aponta que a expansão dos municípios com a Constituição de 1988, cujo intuito era expandir a qualidade dos bens e serviços oferecidos à população, não está cumprindo o papel previsto na sua concepção. Nessas cidades, o montante gasto para sustentar a atividade administrativa (R$ 12 bilhões) é próximo ao destinado à saúde (R$ 14 bilhões).
Sem sequer gerar recursos para sustentar a parte administrativa da máquina pública, municípios são obrigados a utilizar o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), por exemplo, para custear esses gastos. Compensações como royalties da produção de petróleo também são utilizados.
O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi, pondera, no entanto, que o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) são a base de arrecadação do FPM e incidem sobre atividades que se desenvolvem nas cidades. Ele lembra que é assegurado na Constituição que parte do que é arrecadado com esses tributos deve ser distribuído aos governos municipais.
— O FPM é uma transferência obrigatória, constitucional, o governo não está me fazendo um favor, me emprestando. Isso pertence ao município e tem que ser levado em consideração no cálculo — defende.
Uma das dificuldades dos municípios em se tornar sustentável é a pequena base de cobrança de impostos. Segundo François Bremaeker, gestor do Observatório de Informações Municipais, cidades de menor porte não têm como cobrar impostos da população, como ISS e IPTU, fazendo com que sua capacidade contributiva seja pequena.
— São dois impostos que apresentam maior arrecadação em municípios com maior porte demográfico. Daí não ser surpresa alguma o fato de cidades pequenas não conseguirem com receitas próprias manter a máquina administrativa e, muito menos, ter recursos para investimentos — explica.
Para Aroldi e Bremaeker, o grande número de municípios não é o problema, pois a multiplicação de cidades aproximou os serviços públicos dos cidadãos, ao descentralizá-los. Eles afirmam que há espaço para criação de outros, no Norte e no Centro-Oeste, a fim de melhorar o atendimento ao público, e que o custo de funcionamento dessa estrutura é de apenas 5% da receita anual, em média.
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— Se pensarmos que, pelo fato de muitos municípios não terem recursos suficientes para se manter, eles deveriam ser extintos, como muitas vezes é dito, deve-se pensar também que, se isso acontecer, suas populações migrarão em massa para os grandes centros e teremos um verdadeiro caos urbano, muito pior do que o que vivemos hoje em dia — afirma Bremaeker.
Entre as alternativas para melhoria da economia local, Aroldi destaca a discussão do Pacto Federativo como uma possibilidade para a melhora da sustentabilidade orçamentária.
— No Pacto Federativo, vai ficar bem definido a função de cada ente da federação, a participação no bolo tributário para dar conta de todas essas responsabilidades — destaca.
Fonte: “O Globo”