O governo federal, por meio da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), está cobrando tributos que totalizam R$ 1,506 bilhão de delatores de operações de combate à corrupção, como a Lava-Jato, calculados em cima da movimentação financeira ilegal e do patrimônio oculto que foram declarados por eles próprios em seus acordos de colaboração premiada assinados com o Ministério Público Federal (MPF).
Dentre eles estão alguns dos principais delatores da operação, como o doleiro Alberto Youssef, que responde a uma das maiores dívidas — somados, os tributos chegam a R$ 652,6 milhões — e os operadores financeiros Adir Assad e Lúcio Funaro, cobrados em R$ 366,3 milhões e R$ 249,4 milhões, respectivamente.
Os dados constam da lista de devedores da Dívida Ativa da União, contabilizada pela PGFN, órgão responsável por executar as cobranças perante a Justiça. Os valores ultrapassam a devolução de recursos feita pelos delatores em acordos com o MPF, promovidos na Lava-Jato ou em seus desdobramentos, como a Sépsis e a Cui Bono, que investigam corrupção na Caixa Econômica Federal.
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Um débito é enviado para a Dívida Ativa depois que o contribuinte é autuado pela Receita e após perder todos os recursos contra a autuação, que são discutidos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda.
Essas cobranças têm provocado impasses jurídicos. A União argumenta que as movimentações financeiras ilícitas não declaradas, como recebimentos de propinas, geraram a cobrança de tributos que agora os delatores precisam quitar. Já os colaboradores têm argumentado que já devolveram recursos à União como compensação pelos crimes cometidos e que não podem ser penalizados pelas provas que entregaram. O entendimento adotado até agora pelas autoridades fiscais, porém, é que as dívidas estão devidamente caracterizadas.
Na lista dos delatores-devedores estão dez nomes: Alberto Youssef (R$ 652,6 milhões), Adir Assad (R$ 366,3 milhões), Lúcio Funaro (249,4 milhões), Léo Pinheiro (R$ 97 milhões), Pedro Barusco (R$ 70 milhões), Júlio Camargo (R$ 29,4 milhões), Henrique Constantino (R$ 27,6 milhões), Fábio Cleto (R$ 8 milhões), Pedro Corrêa (R$ 3,9 milhões) e Nestor Cerveró (R$ 2,1 milhões).
Em um dos processos de dívida tributária do doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores da Lava-Jato, a Receita cita seu termo de colaboração premiada como uma das provas para corroborar a sonegação de impostos. “O autuado confirmou, e terceiras pessoas a ele vinculadas corroboraram, que os recursos que amealhou, indevidamente, com a realização de condutas à margem da lei, não poderiam indicar seus dados pessoais, de forma a se esquivar da cobrança de tributos promovida pela Receita Federal do Brasil”, diz trecho da autuação fiscal.
Ao concluir pela aplicação de multa e cobrança do doleiro, a Receita diz que Youssef deveria ter pago tributos em cima dos valores provenientes de propina. “Os fatos anteriormente apontados, demonstrados por elementos seguros de provas, levam à conclusão de que o sujeito passivo conscientemente omitiu do Fisco os rendimentos tributáveis, provenientes de vantagens indevidas auferidas junto a empresas estatais”, registrou a Receita em um auto de infração que cobra R$ 16 milhões de Youssef por movimentações financeiras dos anos de 2010 e 2011.
Em seu acordo de colaboração, Youssef devolveu pelo menos 84 imóveis, incluindo unidades em condomínios e hotéis, avaliados em mais de R$ 8 milhões, além de ter renunciado a recursos encontrados em suas empresas e contas bancárias. O acordo não estabeleceu cláusulas sobre pagamentos de tributos.
A maior parte dos débitos de Youssef já inscritos na Dívida Ativa se refere ainda a tributos cobrados do caso Banestado, esquema de evasão de divisas no qual o doleiro foi investigado antes da Lava-Jato e fez seu primeiro acordo de delação. Youssef também é alvo de cobranças referentes ao período da Lava-Jato e se defende na Receita Federal e no Carf.
Um outro caso na mira da Receita é do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, que em seu acordo de delação devolveu US$ 100 milhões de propina que mantinha em uma conta no exterior, abastecida com repasses de empreiteiras com contratos na estatal. Apesar de ter devolvido integralmente o valor da conta, a Receita está cobrando Imposto de Renda sobre seus rendimentos, em valores de aproximadamente R$ 70 milhões. Barusco ainda está se defendendo perante as autoridades fiscais.
Procuradas, as defesas de Youssef e Barusco afirmaram que não se manifestariam sobre o assunto.
Bens ocultados
Em relação ao ex-diretor Nestor Cerveró, a Receita Federal apontou omissão de pagamentos de tributos referentes aos R$ 17 milhões que ele devolveu aos cofres públicos em sua delação. Sua defesa argumentou nos autos que não podem ser cobrados tributos sobre os bens que ele devolveu, mas apenas em relação aos valores desviados que Cerveró usufruiu e efetivamente utilizou. Seus advogados solicitaram na Justiça a anulação da cobrança, argumentando ainda que houve cerceamento de defesa porque o ex-diretor foi autuado pela Receita quando estava preso, desacompanhado de advogado (o defensor de Cerveró na ocasião tinha acabado de ser preso) e teria que protocolar sua defesa pessoalmente no órgão. O pedido ainda não foi julgado.
O operador financeiro Lúcio Funaro tem entre os processos uma execução fiscal da PGFN cobrando um débito de R$ 94,3 milhões calculado em cima de uma das empresas que ele controlava. As informações prestadas na própria delação embasaram a cobrança.
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“A flagrante discrepância entre o patrimônio declarado pelo coexecutado Lúcio e aquele que de fato possui, segundo informações por ele próprio prestadas, permite concluir que a maior parte do patrimônio de Lúcio foi propositadamente ocultada, não apenas a fim de frustrar os seus credores, mas também para, muito provavelmente, desvinculá-lo de sua origem ilícita e ludibriar as autoridades”, diz a ação da PGFN.
Em sua delação, Funaro aceitou devolver R$ 45 milhões pelos crimes cometidos. O valor é bem abaixo do que a PGFN calcula que ele deve em tributos, que atualmente totaliza R$ 249,4 milhões.
A defesa tributária de Funaro diz que a Receita está cobrando tributos sobre a pessoa física dele referente às notas fiscais emitidas por empresas que ele supostamente usava para receber propina. Segundo a defesa, os tributos estão sendo cobrados em duplicidade, porque as empresas já tinham recolhido impostos gerados nas notas fiscais, e a pessoa física não poderia ser penalizada posteriormente por provas que ele mesmo entregou em sua colaboração.
A defesa de Assad disse que houve uma cobrança em duplicidade, porque as notas fiscais geradas pelas pessoas jurídicas já geraram recolhimento de impostos. As defesas dos demais citados não responderam ou não foram localizadas. A Receita informou que não comenta casos concretos. Já a PGFN não se pronunciou.
Fonte: “O Globo”