Como explicar que a maioria dos deputados federais tenha se negado a autorizar o Supremo Tribunal Federal a apreciar a denúncia por crime de corrupção apresentada pela Procuradoria Geral da República contra um presidente que não tem o apoio de mais de 5% da população?
Não há como refutar a realidade de que uma boa parte dos deputados se tornou moralmente inconstrangível. Como não têm reputação a zelar, buscam apenas maximizar os seus interesses mais imediatos, mesmo que isso se dê em detrimento do eleitor.
O fato é que nosso sistema de representação é tão distorcido, especialmente no processo de escolha dos membros da Câmara dos Deputados, que não contribui para o estabelecimento de um indispensável elo entre o eleitor e seu representante, que é a premissa básica da democracia representativa.
A adoção de um sistema proporcional, com circunscrições eleitorais tão amplas, associada a possibilidade de coligações, à livre criação de partidos e um amplo acesso aos fundos partidários e tempo de rádio e televisão, tem permitido que a grande maioria dos deputados se eleja sem constituir o mínimo vínculo de identidade com o eleitor, não se sentindo obrigado, portanto, a lhe prestar satisfação.
Como as regras eleitorais devem entrar em vigor um ano antes do pleito, a sociedade brasileira tem uma pequena janela de oportunidade, até outubro, para pressionar o Congresso a promover algumas modificações no sistema eleitoral que permitam melhorar a qualidade da representação na próxima eleição. Muitas são as propostas que poderiam contribuir para a melhoria de nosso sistema representativo. Neste momento, no entanto, é preciso cerrar fileira em torno de um mínimo denominador comum como, por exemplo:
1) Fim das coligações nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, o que impediria que o eleitor que escolheu um determinado candidato de um partido termine elegendo um outro candidato de um terceiro partido.
2) A criação de uma cláusula de barreira que impeça que partidos de baixíssima representação tomem assento no Congresso. Com isso, se reduziria o incentivo para a multiplicação de partidos de aluguel, além de criar um estímulo para que grupos muito minoritários criem convergências, se quiserem levar a cabo suas demandas.
3) Medidas de democratização dos partidos, como realização de prévias.
4) Por fim, todos que se preocupam com a saúde de nossa democracia deveriam se unir contra a esdrúxula proposta do distritão. Nesse sistema, cada candidato se torna, de fato, o seu próprio partido, pois concorre não apenas com os candidatos dos demais partidos, mas especialmente contra seus próprios correligionários. Se aprovado aumentaria ainda mais a fragmentação parlamentar, impondo ao Executivo a necessidade de negociar não com uma bancada, mas com cada deputado, o que só aumentaria a corrupção e a ingovernabilidade. Esse sistema é adotado apenas no Iraque.
Se não aperfeiçoarmos rapidamente nosso sistema de representação, reduzindo a fragmentação e aumentando a identidade dos representantes com o eleitor, o próximo presidente estará fadado a ter que comprar o Congresso para não ser impedido.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 05/08/2017
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