Há um detalhe interessante na reação de petistas à série “O Mecanismo”. O boicote impõe um custo à opinião política. Se o sujeito acredita que a série difunde notícias falsas sobre o PT, que mostre comprometimento com suas ideias e cancele a assinatura da Netflix.
Atrelar opiniões a custos —deveríamos fazer mais disso. Assim resolveríamos o grande problema dos palpites e previsões sobre economia ou política: é grátis adquiri-los ou mantê-los.
Coisas grátis ou artificialmente abaixo do preço são geralmente consumidas em excesso ou desperdiçadas. Se o governo impuser um teto de R$ 5 para o quilo da carne, milhões de brasileiros farão fila nos açougues. Comprarão muito mais carne do que precisam, só para aproveitar a pechincha.
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Da mesma forma, a internet virou uma enorme fila (“linha do tempo”) de gente querendo que sua opinião seja ouvida. Como o espaço para falar é grátis, opinamos muito mais que o necessário. Só para aproveitar a pechincha.
Pior ainda, o baixo preço das crenças políticas resulta na “ignorância racional”, como explicou o economista Bryan Caplan. Segundo ele, é racional acreditar em tolices se o benefício dessa crença ultrapassa o custo.
Imagine, por exemplo, um brasileiro com alguma ideia política absurda. Como uma destas: “o mal do país são os políticos do signo de gêmeos!”, “precisamos declarar guerra aos argentinos” ou “Lula é honesto”.
Dificilmente uma opinião individual vai decidir a eleição e resultar em prejuízo ao país. Se resultar, esse prejuízo será difuso, dividido entre todos os cidadãos. Já o benefício (a satisfação em desfrutar um desvario ideológico) é concentrado. Vale muito mais a pena se abraçar ao equívoco que abandoná-lo.
Um modo de diminuir os incentivos à ignorância racional é impondo custos a ela. É o que faz o boicote a “O Mecanismo”. Falar é fácil: quero ver cancelar a assinatura da Netflix. Imagino que o boicote não deve dar resultado —pois ficar sem Netflix é muito mais custoso que qualquer apego líderes políticos.
Poderíamos ir em frente. Poderíamos dar atenção somente a opiniões acompanhadas de um “Termo de Comprometimento Intelectual”. O autor da opinião ou do palpite político teria que detalhar como será pessoalmente prejudicado se estiver errado.
Por exemplo, lá por 2011 ou 2012 choveram economistas heterodoxos afirmando que a nova matriz econômica de Dilma baixaria a taxa de juros sem causar inflação. Deveríamos ter exigido, naquele momento, uma prova de comprometimento, de “skin in the game”, como diz o ensaísta Nicholas Taleb. Bastaria um comprovante de investimento em títulos prefixados, que perderiam com a alta da inflação.
Mas não exigimos. O tempo mostrou que aqueles economistas estavam errados e não perderam nada com isso. Pelo contrário, continuam por aí dando firmes opiniões sobre a política econômica.
Com a exigência de comprometimentos, as pessoas pensariam muitas vezes antes de compartilhar opiniões. Isso faria em bem danado às redes sociais. Em vez desse lodaçal de lugares-comuns e argumentos malcheirosos, o Facebook se transformaria num paraíso de vídeos de gatinhos e fotos de família.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 28/03/2018