Dados já amplamente divulgados indicam que, desde 1997 e sobre tudo a partir de 2002, atenuou-se a desigualdade social no Brasil e declinou o número de famílias abaixo da linha de pobreza.
Independente do quão espetaculares ou não sejam os números que dimensionam esse processo, é fundamental analisar os fatores que o induziram, especialmente ao longo do governo PT, auto-vangloriado como campeão da justiça social. Ou seja, caberia indagar: o caminho seguido pelo presidente Lula é o mais adequado para promover desconcentração de renda e diminuição da pobreza? Deve ser mantido nos próximos anos?
Responder a essas perguntas implica, de iníco, em identificar os fatores responsáveis pela redução da desigualdade verificada nos últimos quatorze anos, entre os quais se destacam:
a) baixos índices de inflação, graças ao Plano Real, permitindo maior preservação do valor dos salários;
b) transferências governamentais, em especial o programa Bolsa Família, sucessor do Bolsa Educação;
c) incremento real do salário mínimo;
d) barateamento relativo da cesta básica e de outros produtos de consumo popular;
e) diminuição das disparidades salariais entre as regiões metropolitanas e os municípios pequenos do interior,
Alguns desses fatores não são atribuíveis a iniciativas de governo e, portanto, desfrutam de elevada estabilidade pois se originam no mercado. Por isso, devemos louvar os citados barateamento da cesta básica e diminuição das disparidades salariais em termos de localização do trabalhador.
Outro grupo de fatores, como queda da inflação, transferências governamentais e incremento do salário mínimo, é fruto de políticas públicas e, como tal, depende de diretrizes emanadas do Palácio do Planalto. Herdando um ritmo inflacionário já domesticado e uma ascensão salarial já iniciada, o presidente Lula concentrou-se no fator que mais atribui vulnerabilidade à redução da inequidade e da pobreza: o Bolsa Família, programa meramente assistencial, sujeito a definhar por escassez de recursos, ineficiência gerencial, ou decisão política, além de desestimular os beneficiados a buscar atividade produtiva.
Processos distributivos menos vulneráveis a recaídas são aqueles atados a mudanças na estrutura produtiva do país isto é, resultantes de investimentos públicos e privados propulsores da produção e produtividade dos setores ofertantes de bens e serviços que pesam mais no orçamento das famílias de menor renda, ou lhes são inacessíveis apesar de essenciais: alimentação, saúde, educação, lazer, habitação, transporte público, saneamento, vestuário, segurança pública e capacitação profissional destinada a elevar a produtividade do trabalho.
Em paralelo, outro conjunto de ações ocorreria nas áreas tributária, salarial, creditícia e de emprego, conforme critérios já consagrados pela literatura econômica. Na área salarial, um dos objetivos básicos seria aprimorar a sintonia entre o incremento da produtividade do trabalho e o da remuneração da mão-de-obra.
Haverá aumento real e duradouro na renda das famílias menos favorecidas quando, por exemplo:
a) sentirem os efeitos da criação de novas oportunidades de emprego;
b) receberem atendimento médico amplo, rápido, eficiente e gratuito;
c) desfrutarem de acesso a ensino de alta qualidade;
d) acederem a fontes de micro-crédito para desenvolver mini-empreendimentos;
e) conseguirem moradia digna, mediante programas habitacionais sensíveis às suas restrições financeiras;
f) receberem serviços de saneamento;
g) obtiverem transporte público confortável, rápido e barato;
h) beneficiarem-se do barateamento do custo da alimentação;
i) lograrem adquirir vestuário e utensílios domésticos de maior durabilidade a preços vantajosos.
E as fontes de recursos para uma política desse gênero? A resposta encontra-se entre as seguintes alternativas:
a) redesenho do gasto público, permitindo maior volume de investimento estatal relacionado com a eqüidade;
b) combate radical à corrupção, canalizando o montante poupado para programas distributivos;
c) combate à sonegação fiscal;
d) ampla reforma do Estado;
e) retomada das privatizações, liberando o Estado para tarefas onde seu papel é insubstituível, tais como o de promover eqüidade social;
f) incentivos a empreendimentos do setor privado vinculados ao esforço de combater a ineqüidade social;
g) redirecionamento das operações junto ao Banco Mundial e BID, ampliando apoio aos projetos de teor distributivo.
O caminho aqui defendido estimula a mobilidade social dos mais pobres, em contraste com os programas assistenciais, tipo Bolsa Família, que os mantêm sob dependência infrutífera. Esses programas servem para situações de emergência ou como complemento transitório a políticas eficazes de combate à pobreza. Mas nunca como instrumento de ascensão social, com o status de símbolo da luta pela redistribuição de renda. _______________________________________________________
Versão reeditada de artigo publicado no VALOR ECONÔMICO, em 23/03/07, sob o título “Desigualdade, pobreza e adjacências”.
No Comment! Be the first one.