Só porque alguém que não conhece muito sobre ‘blackjack’ (ou 21) ganha cinco mãos seguidas, isso não quer dizer que você pode derrotar a banca.” (Jonathan Burton)
Escrito em 1866 e parcialmente autobiográfico, o livro “O Jogador” relata o drama da compulsão pelo jogo vivido pelo próprio escritor russo Dostoievski. Os cassinos europeus conquistavam muitos russos na época, e as roletas eram o principal foco de fascínio. Lições aprendidas na pele pelo romancista podem ser úteis hoje para muitos especuladores.
A analogia entre cassino e bolsa não é das melhores, pois a última representa ativos reais cujos fluxos de caixa sustentam de forma concreta as apostas. No entanto, a postura de muitos especuladores em ações infelizmente apresenta enorme similaridade com a dos jogadores compulsivos de Dostoievski.
Não são poucos os que mergulham no cotidiano frenético das bolsas em busca da mesma adrenalina encontrada nos cassinos.
O trecho em que Alexei Ivanovich, principal personagem do livro, descreve como descobriu que era um jogador é particularmente importante: “Neste momento senti que eu era um jogador. Senti isso como nunca até então. Minhas mãos tremiam, as pernas vergavam-se, as têmporas pulsavam agitadamente”.
Eis o tipo de emoção que não deve caracterizar um especulador. Se as oscilações nos preços das ações despertam esse tipo de reação, então é melhor buscar ajuda num divã. Caso contrário, a probabilidade de se perder tudo que tem é alta.
O antídoto contra esse vício foi encontrado pelo próprio autor, ao expor o segredo do sucesso no jogo: “Esse segredo, aliás, bem o sei, é o que há de mais simples e estúpido. É preciso unicamente domínio sobre si mesmo e, sejam quais forem as peripécias do jogo, a gente evitar o entusiasmo excessivo”.
Em outras palavras, o segredo é ter autodomínio. Claro que isso é mais fácil falar do que fazer. Mas quem sucumbir às emoções sem dúvida chegará rapidamente ao precipício.
Na roleta, as probabilidades estão contra o jogador. No longo prazo, a banca sempre será a vencedora. Nos mercados de ações, o investidor pode tentar maximizar suas chances de ganho ao fazer seu dever de casa, pesquisando mais sobre as empresas em que investe. Como aconselhou o famoso investidor Peter Lynch, devemos gastar na pesquisa da ação que desejamos comprar pelo menos o mesmo tempo que gastaríamos na compra de um refrigerador.
Ele pode ter disciplina para estancar suas perdas, em vez de alimentar a tola esperança de que vai recuperar tudo numa última tacada desesperada. Ele pode saber a hora de nada fazer, aguardando um ponto de entrada mais favorável. Enfim, existem meios de pelo menos reduzir os riscos de perdas acentuadas.
Mas nada disso é garantia de sucesso. Aquilo que não sabemos pode ser fatal. Tentar obter o máximo possível de conhecimento e ter uma estratégia mais disciplinada representam mecanismos importantes para tentar jogar as probabilidades de ganho a seu favor, com foco no longo prazo.
Mas não há garantia de sucesso. E o próprio Dostoievski demonstra isso: “A mim parece que, no fundo, todos esses cálculos sobre o jogo não significam lá grande coisa e longe estão de possuir a importância que lhes pretendem atribuir muitos jogadores. Oh, esses jogadores entendidos! Plantam-se ali tendo nas mãos papéis cobertos de números, anotam cuidadosamente todos os golpes, contam, calculam as probabilidades e, após haverem recebido todos os prós e contras, apontam e perdem… exatamente como os simples mortais que jogam sem raciocinar.”
Como ignorar isso quando vimos tantos gestores profissionais afundando junto com os leigos na crise? Analistas com salários de sete dígitos recomendando ações que praticamente viraram pó.
Se existe algo que os mercados não costumam tolerar é a arrogância do especulador, a ilusão do conhecimento pleno e muito diferenciado. Entre os métodos de autocontrole, a humildade para reconhecer os limites do conhecimento e da capacidade de prever o futuro é fundamental.
Tanto o jogador compulsivo guiado por emoções como o arrogante que se julga em posse da verdade absoluta irão naufragar rapidamente, seja em Las Vegas ou nas bolsas. E para os que buscam adrenalina, existem hobbies mais saudáveis – e baratos.
(“Valor Econômico” – 21/01/2010)
Quando o que se aposta não é a subsistencia dos que dependem de nós, toda aposta é suportada. Contudo, seja em cassinos ou na bolsa, a única regra com base na paz, é apostar com o horizonte do fundo perdido. Se deu certo, ok. Se não, sem surpresas.