Regra de ouro é o nome dado ao inciso III do artigo 167 da Constituição Federal. Estabelece que o governo não pode, sem autorização do Congresso Nacional, emprestar dinheiro para pagar despesas correntes, como salários do funcionalismo, aposentadorias, benefícios previdenciários, assistenciais, subsídios e coisas do tipo.
O espírito da regra de ouro é evitar a explosão da dívida pública. Governo que empresta dinheiro para pagar despesas correntes corre o risco de se endividar ilimitadamente, sem jamais ter como pagar.
Não fosse a regra de ouro, o Brasil viveria uma situação comparável à de alguém que pode tomar dinheiro emprestado no banco para comprar comida, pagar aluguel, conta de luz ou telefone. Se não tem dinheiro nem para pagar as contas, quando terá para as dívidas?
É por isso que a regra de ouro limita os empréstimos a rolagem e amortizações da própria dívida, despesas financeiras ou situações excepcionais, desde que autorizadas no Legislativo por maioria absoluta (257 deputados e 41 senadores).
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Por que o governo precisa cortar
Quem acompanha o Orçamento da União e a situação econômica sabe desde 2017 que faltaria dinheiro para pagar as despesas correntes deste ano. Estamos, portanto, diante de uma dessas situações excepcionais em que o Congresso precisa autorizar o governo a emprestar.
O conflito entre Executivo e Legislativo torna a situação atual ainda mais excepcional. Tão excepcional que, dependendo do Congresso, o Executivo estará diante de um dilema cujo resultado poderia ser, no limite, um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, encaminhou em março um projeto de lei pedindo autorização do Congresso para contrair R$ 248,9 bilhões em empréstimos conhecidos como “créditos suplementares”, destinados a pagar as despesas correntes descritas na tabela abaixo:
Da última vez que esteve no Congresso, Guedes suplicou aos parlamentares que aprovassem o projeto, do contrário o governo seria forçado a interromper o pagamento de aposentadorias e pensões, do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), o benefício assistencial destinado a deficientes ou idosos que não têm como comprovar tempo de contribuição.
Todos são despesas obrigatórias garantidas pela Constituição. Guedes repetiu um conceito a que os leitores deste blog já se acostumaram. Disse que o Brasil está prestes a cair no “abismo fiscal”. O governo também deveria estar preocupado com um abismo de outra natureza.
O projeto dos créditos suplementares ainda aguarda o parecer do relator, deputado Hildo Rocha (MDB-MA), na Comissão Mista de Orçamento (CMO), para depois ir a plenário. Em audiência prevista para hoje, ministros e especialistas foram convidados a expor se não há outras fontes de onde seria possível remanejar recursos.
Num cenário de conflito aberto entre Executivo e Legislativo, a regra de ouro fornece o pretexto ideal para parlamentares rebelados pedirem o impeachment de Bolsonaro. Não é difícil entender por quê.
Se o Congresso rejeitar os créditos suplementares pedidos por Guedes – para isso, basta não haver 257 deputados ou 41 senadores dispostos a apoiá-los –, deixará Bolsonaro diante de um dilema não trivial: ou bem corta o pagamento de aposentadorias e benefícios, ou então, à revelia do Congresso, toma dinheiro emprestado para pagá-los. Que faria o presidente em tal situação?
Para o Bolsa Família, os recursos durariam até setembro. Para os benefícios do INSS, até agosto. Para o BPC, até julho. Dentro de pouco mais de um mês, portanto, Bolsonaro teria de decidir o que fazer. Se obrigado a tomar o dinheiro emprestado sem autorização, violaria a regra de ouro e incorreria em crime de responsabilidade, previsto no inciso VI do artigo 85 da Constituição.
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Ele poderia tentar remanejar recursos de outras áreas para manter os pagamentos, mas seria inviável encontrar cortes num valor que corresponde a quase 17% do Orçamento. Qualquer que fosse a decisão sobre onde cortar, haveria protestos e, provavelmente, outros crimes de responsabilidade, com base noutras leis.
Não custa lembrar: foram três decretos de crédito suplementar emitidos por Dilma Rousseff, somando pouco mais de R$ 2,3 bilhões, que levaram à sua queda. Caso haja uma maioria no Congresso disposta a emparedar Bolsonaro, bastará rejeitar o pedido que tramita na CMO, cujo valor ultrapassa cem vezes o que derrubou Dilma.
A Câmara pode até dar sinais de benevolência ao aprovar a reforma ministerial sem recriar pastas ou ao destravar a pauta de medidas provisórias. Mas ninguém deve se enganar: o principal trunfo do Legislativo é outro. Basta rejeitar os créditos suplementares para empurrar o governo para o abismo. Não apenas fiscal, mas político.
Fonte: “G1”, 22/05/2019