O Muro das Lamentações, que o presidente Jair Bolsonaro visita hoje em Jerusalém, tem a fama de operar milagres. É comum visitantes deixarem bilhetinhos com pedidos ao todo-poderoso. “Ele entende qualquer idioma”, dizem os locais. Bolsonaro precisa mesmo de ajuda divina.
Em três meses, seu governo não aprovou nenhuma medida no Congresso, a reforma da Previdência (essencial ao equilíbrio das contas públicas) está empacada, as previsões de crescimento despencaram, o dólar disparou, as pressões inflacionárias já se fazem sentir. Os otimistas continuam a afirmar que, no fim, tudo dará certo.
É possível. Em Israel, Bolsonaro se revelou um pragmático. Em vez da prometida mudança da embaixada para Jerusalém, saiu-se com um oportuno escritório de representação comercial.
Nada capaz de aplacar a ira da Autoridade Palestina, que convocou seu embaixador no Brasil para consultas. Mas o suficiente para evitar uma crise maior com os países árabes, importadores relevantes para a indústria de carne brasileira. Entre o eleitorado evangélico e o interesse comercial, encontrou uma solução de compromisso.
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Seria bom se Bolsonaro usasse o mesmo pragmatismo em sua relação com os políticos. Apesar de apaziguada, a crise com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deixou um travo na garganta do Congresso. Brasília anda tensa. Enquanto o governo não se demonstrar capaz de exercer o poder dentro das regras democráticas, a tensão persistirá.
Em vez disso, Bolsonaro demonstra competência apenas para dividir o país em campos antagônicos. Seus êmulos nas redes sociais usaram os 55 anos da ditadura para disseminar uma versão da história que tenta eximir os militares da responsabilidade pelo atraso e pela barbárie dos Anos de Chumbo. O objetivo foi atingido: grupos contra e a favor brigaram ontem em protestos no país.
Não há nenhum sinal de que o pragmatismo venha a substituir a polarização. A negociação, o diálogo, a busca de um terreno comum com adversários, a arte do convencimento e da persuasão política, nada disso faz parte do léxico bolsonarista. Seu governo é um governo pela provocação, pelo confronto, pelo conflito.
Numa leitura generosa, tudo não passa de teatro para obter aplausos da plateia que o elegeu. Os grandes projetos, a agenda de prioridades nacionais, as reformas, privatizações e o combate à corrupção e ao crime serão tocados em paralelo, pelos ministros profissionais, capazes de estabelecer relações autônomas com o Parlamento.
Uma leitura mais realista recomenda cautela. Por mais consistentes que pareçam as agendas na economia ou na segurança pública, não há estratégia para implementá-las. A bateção de cabeça com o Congresso é a maior prova disso. Só há provocação, só há confronto, só há conflito.
Fonte: “G1”, 01/04/2019