O presidente eleito Jair Bolsonaro começou a ter uma vaga ideia do que vem pela frente nas reuniões com os partidos políticos que começou a fazer. Não que não soubesse, pois quem passou 27 anos como parlamentar, a maioria dos quais como deputado federal em Brasília, sabe bem como a banda toca.
Mas talvez esperasse que os 54 milhões de votos que teve na corrida presidencial lhe dariam uma vantagem na negociação com o Congresso. Provavelmente darão, mas não impedem que as barganhas sejam sugeridas, mesmo sem haver clima para falar de cargos, como explicou o deputado Fabio Faria, do PSD, que esteve com Bolsonaro ontem.
Alguns pelo menos tentaram, o que fez com que um comentário dominasse as conversas com assessores mais próximos: “a facilidade com que pedem um porto é impressionante”, disse um deles, não acostumado a essas negociações.
Bolsonaro está tentando quebrar o presidencialismo de coalizão da maneira como o conhecemos nos últimos 24 anos, iniciado nos governos de Fernando Henrique e exacerbado e desvirtuado nos governos petistas e no de Temer.
Foi nos dois governos tucanos que o presidencialismo de coalizão teve papel importante, destacado pelo cientista político Sérgio Abranches, inaugurando uma prática politica que não era explícita, mas subentendida.
Quando chamou para sua chapa o PFL, Fernando Henrique causou surpresa, pois naquela ocasião o PSDB era mais percebido como de esquerda do que hoje, e trouxe a direita para dentro do governo. Ele não precisava fazer isso para vencer a eleição, pois tinha o Plano Real, mas precisava do apoio do PFL para governar.
Confira a análise de Merval Pereira
STF de zagueiro
Os limites do presidente
Estratégia de guerra
Sergio Abranches, 30 anos depois de ter cunhado a expressão, lançou recentemente um livro onde analisa o presidencialismo de coalizão e suas consequências na politica brasileira. Ele acha que o sistema politico-partidário, da maneira que está montado, incentiva o toma-lá-dá-cá, em detrimento das alianças programáticas.
Bolsonaro está tentando quebrar a espinha dos partidos políticos, fazendo negociações diretas com as bancadas temáticas. É uma maneira criativa de montar um ministério em torno de ideias, fora de barganhas não republicanas.
Pode-se concordar ou não com as escolhas, ou os projetos prioritários de cada grupo desses, mas mudou o rumo da prosa. As bancadas, no entanto, nem sempre fecham apoio comum em todos os projetos, e ele vai precisar dos partidos, que são os que têm a organização partidária sob controle, e podem influenciar as parcerias com as prefeituras e governos municipais e estaduais.
A eleição de Bolsonaro foi atípica e rompeu com essa hierarquia partidária, mas não há certeza, mesmo porque nunca foi tentado antes, de que vai dar certo. Bolsonaro vai usar sua popularidade e as redes sociais para pressionar deputados, e, ao mesmo tempo, os partidos vão querer mostrar que são eles que controlam os votos, e não os deputados individualmente.
É preocupante a disputa de poder dentro da Casa Civil, com o deputado Ônix Lorenzoni tentando manter-se como protagonista diante a sombra do General Santos Cruz, que a princípio o “ajudaria” na negociação com os partidos políticos. O futuro chefe da Casa Civil não chamou o General para as conversas com os partidos políticos.
A escolha de Santos Cruz parece ter o objetivo de desestimular negociações como as do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, que pedia a diretoria da Petrobras “que fura poço”. O semblante sempre fechado do General, que não dá indicações sobre se está feliz ou descontente, poderia ser útil para colocar uma barreira nesse tipo de situação. Mas pode também criar atritos com os parlamentares.
Mas, dentro do Exército, as qualidades de negociação do General Santos Cruz são exaltadas. Elas levaram-no, segundo relatos, a servir de consultor da ONU depois de ter atuado nas missões de paz do Haiti e do Congo. Um manual de procedimentos em negociações escrito por ele serviria de orientação para todas as ações da ONU pelo mundo.
A acomodação com seu chefe direto, o deputado Onix Lorenzoni, e as dificuldades para aprovar as reformas, especialmente a da Previdência, vão mostrar sua capacidade de ação, caso venha mesmo a ser confirmado nessa função.
Fonte: “O Globo”, 06/12/2018