Bolsonaro considera Trump um exemplo a ser seguido, mas isso deve levar seu governo ao caminho do desastre. Não me refiro ao hábito dos tuítes, aos obsessivos ataques à imprensa ou ao apego quase paranoico a temas polêmicos (o muro no caso de Trump, o louvor ao período militar no caso de Bolsonaro). O erro é ainda mais fundamental: o que rende suporte a Trump nos Estados Unidos não vai funcionar para Bolsonaro aqui no Brasil.
O cálculo de Trump é simples: agradar aos simpatizantes do Partido Republicano e atacar as posições do Partido Democrata. Quem elege o presidente dos Estados Unidos não é a população diretamente (lembremos que Trump perdeu no voto popular), mas sim colégios eleitorais definidos por estado. Há estados fortemente republicanos e outros fortemente democratas. E há estados que ficam no meio-termo, podendo pender de um lado para o outro de acordo com as circunstâncias. Trump percebeu que um discurso radicalmente contrário ao fluxo de comércio e pessoas entre os países atrairia votos em regiões descontentes com a imigração e a perda de fábricas para o exterior. Sua estratégia é pragmática: conquista votos desse meio indeciso e mantém votos de sua base republicana.
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Já no Brasil, a eleição presidencial vem do voto popular, e o apoio ao governo requer costuras com inúmeros partidos. À diferença de Trump, Bolsonaro não tem uma agremiação com uma base maciça de correligionários. Muitos de seus votos foram um protesto anti-PT, que já não é mais o inimigo comum, como foi durante a campanha. As declarações polêmicas de Bolsonaro encantam apoiadores fiéis, mas afastam políticos de outros partidos cujos votos serão decisivos para implementar medidas para a recuperação da economia (e da popularidade do próprio presidente, hoje em queda). Um movimento mais racional seria dialogar com o centro e até com grupos moderados de esquerda. Seu vice, Hamilton Mourão, tem sido procurado por governadores do Nordeste que entendem a importância das reformas para as contas de seus estados.
Além disso, Trump tem ampla margem para errar. Pegou uma economia em crescimento, com instituições sólidas e credibilidade para financiar rombos nas contas públicas. Isso significa que ele tem mais espaço para uma agenda populista, que aumenta o déficit público e piora a produtividade dos negócios (por exemplo, sua insistência em tarifas de importação).
Por aqui, mais uma vez, a coisa é diferente. O pouco de credibilidade do atual governo vem de sua equipe econômica, que promete reformas em troca de crescimento e empregos no futuro. Os fãs de Bolsonaro aplaudem sua recusa em articular-se com o Congresso, mas não serão eles que votarão pelas reformas necessárias. Nesse andar da carruagem, o resultado será um governo inerte, que pouco avançará a agenda apoiada pelo mercado e não terá força para implementar o que quer seu eleitorado conservador. A saída dos fiadores técnicos do governo será inevitável, bem como a volta dos temidos grupos de esquerda a cooptar eleitores insatisfeitos. O que dirá Bolsonaro a seu ídolo quando tudo isso acontecer?
Fonte: “Veja”, 05/04/2019