O pacto entre os Poderes proposto por Bolsonaro obviamente não representa pacto em seu sentido forte. Pacto para valer exige compromissos críveis e não apenas declarações. Mas, com a iniciativa, Bolsonaro recolhe a tropa e centra em agenda positiva, o que pode ter consequências. O timing do anúncio —após manifestações de apoiadores— é revelador da estratégia perseguida.
Bolsonaro “reina, mas não governa”: mantém-se formalmente à frente da Presidência, conta com o apoio forte de um quarto do eleitorado, mas não aprova sua agenda de reformas.
Pacto entre Poderes Executivo e Legislativo tem nome: presidencialismo de coalizão. Rodrigo Maia foi ao ponto: pacto com o Legislativo é pacto com os partidos. Já um pacto envolvendo o Judiciário é um oxímoro: equivale a uma impossível renúncia ao seu papel como árbitro entre poderes.
Na corte cada ministro é uma ilha: não há pacto possível se todos têm poder de veto. O presidente do STF fala apenas como formador da agenda: ele pode mitigar obstrucionismos. Faz sentido.
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(Con)fusão de poderes
Explicando a cacofonia
A autocontenção visa conter custos políticos decorrentes do hiperprotagonismo do Judiciário, para o que contribuiu a atuação do STF em processo de impeachment e como corte criminal em contexto de escândalos ciclópicos de corrupção. Os ataques que a instituição tem sofrido no atual governo resultam deste papel, mas com o sinal político trocado.
É trivial reconhecer que o Poder Judiciário cumpre papel político crucial em regime presidencial, mas não no parlamentarismo. Há fortes evidências quantitativas neste sentido. Neste último, a soberania parlamentar é princípio organizador e é sempre invocada contra interferência das cortes superiores (o que explica a inexistência ou fraqueza da revisão judicial em países como Inglaterra ou França. Ou protagonismo de qualquer natureza).
Afonso Arinos já apontava o fenômeno há 70 anos: “Para o parlamentarismo, a liberdade marcante da democracia é a política, e sua trincheira o Parlamento. Para o presidencialismo a liberdade marcante é jurídica, e sua trincheira, o Judiciário”.
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E já houve quem defendesse o presidencialismo, como Levi Carneiro, porque nele o Judiciário equilibra os Poderes, enquanto “no parlamentarismo o conflito de Poderes resolve-se pela preponderância de um deles: ou a Câmara destitui o governo, ou o governo dissolve a Câmara… com critério exclusivamente político no sentido vulgar, isto é subjetivo, sem intervenção judiciária”.
A demanda por “intervenção judiciária” —ou arbitragem constitucional— só tende a aumentar em nossa democracia presidencial, mas ela se exacerba pelo unilateralismo do governo e forte polarização.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 03/06/2019