BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro vetou um alívio de R$ 17,3 bilhões nas dívidas de Estados e municípios com organismos multilaterais (como Banco Mundial e BID) e despertou a ira de secretários de Fazenda, que viam no dispositivo um dos maiores benefícios aos Estados e municípios que procuraram ajustar suas contas e mantêm boa nota na classificação de risco do Tesouro. A avaliação é que o veto à lei que renegociou a dívida dos governos regionais prejudica quem fez o ajuste, enquanto os Estados superendividados que aderirem ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) continuarão tendo acesso ao benefício.
O relator do projeto na Câmara, Mauro Benevides (PDT-CE), afirma que o Congresso deve derrubar o veto e restituir o alívio, que havia sido acordado com o governo como contrapartida à redução na duração do RRF – o programa de socorro para Estados superendividados. Entre os Estados, São Paulo seria o mais prejudicado pelo veto presidencial. O alívio em 2021 para as finanças comandadas pelo governador João Doria (PSDB) seria de R$ 2,3 bilhões. Já para o município do Rio de Janeiro, com Eduardo Paes (DEM) à frente da Prefeitura, a suspensão da dívida seria de R$ 509 milhões.
Ao Estadão/Broadcast, o deputado contou que, logo que o teor dos vetos foram divulgados pelo Palácio do Planalto, os secretários de Fazenda começaram a ligar indignados com a decisão do governo federal. Benevides criticou ainda a justificativa apresentada, de que a suspensão da dívida fere a Constituição – ao mesmo tempo em que o alívio foi mantido para os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que vão aderir ao RRF.
“Quero que, tecnicamente, o governo explique que é constitucional para um, e não para outro”, critica Benevides, que já foi secretário de Fazenda do Ceará. Segundo ele, o alívio na dívida com os organismos federais (R$ 7,3 bilhões para os Estados e R$ 10 bilhões para os municípios) beneficiaria os Estados com nota A, B e C, as mais altas no ranking do Tesouro que avalia a situação de sustentabilidade dos governos regionais (A é o melhor pagador). “Fazer o dever de casa no Brasil não é reconhecido pelo Ministério da Economia”, acusa o deputado pedetista.
O Ministério da Economia havia estipulado um teto de R$ 10 bilhões para a suspensão dessas dívidas, que seriam honradas pelo governo federal por um ano. A proposta era conceder o benefício só para os Estados. Na tramitação do projeto, Benevides incluiu os municípios, mas buscou compensar com a redução de dez para nove anos no prazo de vigência do RRF. Pelos seus cálculos, a troca garantiu um ganho de R$ 24 bilhões ao Tesouro, enquanto rendeu a “mágoa” do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que defendia prazo maior.
Benevides diz que o governo quebrou o acordo, mas prefere não entrar em questões políticas que poderiam ter levado o presidente a vetar o texto. Fontes de dois Estados consultadas pelo Estadão/Broadcast, que preferem falar na condição de anonimato, não descartam a possibilidade de viés político na decisão do veto.
O secretário de Fazenda do município do Rio, Pedro Paulo, que foi o autor do projeto na Câmara, não vê esse viés político, mas aponta que os recursos para o Rio, que serão usados para o pagamento de dívidas externas, seriam importantes para as finanças do município para o enfrentamento da covid-19.
Bolsonaro também vetou uma mudança que endureceria a proibição a gestores em fim de mandato de assumir obrigações com gastos e obras sem deixar dinheiro em caixa para bancá-las. Apesar de o dispositivo integrar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), tema mais afeito ao Ministério da Economia, o veto foi feito a pedido da Casa Civil e da Secretaria-Geral da Presidência.
Veto foi justificado
Procurada, a Secretaria-Geral da Presidência da República informou ao Estadão/Broadcast que endurecer a regra que exige dinheiro em caixa para gestores fazerem novas despesas em fim de mandato poderia dificultar a execução de políticas públicas que duram mais de um ano ou até mesmo de gastos excepcionais, dando como exemplo a compra de vacinas. Por isso, segundo o órgão, foi recomendado o veto ao presidente Jair Bolsonaro, apesar de o Ministério da Economia ser favorável ao maior rigor da regra.
“Ao exigir a existência de caixa, a norma dificulta a execução de despesas para fazer frente a políticas públicas que, normalmente, ultrapassam um exercício financeiro ou para fazer frente a despesas excepcionais, tal como a compra de uma vacina, por exemplo”, informou a Secretaria-Geral à reportagem.
Segundo a pasta, o Tesouro Nacional foi ouvido, mas outros ministérios também. “Casa Civil e Secretaria-Geral apresentaram argumentos que justificaram o veto fosse tanto sob a perspectiva do interesse público quanto pela inconstitucionalidade”, afirmou.
De acordo com o órgão, a mudança na exigência de caixa para contratação de gastos para os dois últimos anos da gestão “impede o gestor de contrair despesas por um mandato inteiro como no caso de autoridades com apenas dois anos de mandato, tal como Procurador-Geral da República e Presidente do Supremo Tribunal Federal, por exemplo”.
“Além disso, o PPA, a LDO e a LOA coexistem, e é salutar a possibilidade de fazer alterações naquelas leis, ainda que nos dois últimos anos de mandato, para fins de compatibilização daqueles instrumentos com as reais disponibilidades de caixa dos entes públicos, sobremaneira para dar conta de atender a eventuais novos desafios que possam surgir no curso dos últimos dois anos do mandato”, justificou.
Ainda segundo a Secretaria-Geral, não há risco de prefeitos, governadores, presidente da República e outros chefes de poder ficarem livres para assumir obrigações sem ter recursos para bancá-las.
Fonte: “Estadão”, 15/01/2021
Foto: Nilton Fukuda/ Estadão