Fez bem a presidente Dilma Rousseff em não comemorar excessivamente o crescimento de 7,5% no ano passado do PIB brasileiro, anunciado ontem pelo IBGE, já que seu governo está justamente empenhado em reduzir esse crescimento para conter a inflação. Um crescimento indiano — média de cerca de 6% nos últimos 30 anos — ainda é uma miragem para o Brasil, e qualquer comparação com Índia e China ainda nos deixa muito longe da imagem idealizada de potência global.
E nem precisa ser a comparação com o I e o C dos Brics. Embora tenha ficado no ano passado 2,5 pontos acima da média mundial, superando o crescimento de países desenvolvidos e dos Estados Unidos, o crescimento médio anual do PIB do país no governo Lula foi de 4%, abaixo da média (4,4%) do painel mundial, segundo estudos do economista Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ.
Por outro lado, um dia depois de o ex-presidente Lula, na estreia de sua atividade de palestrante internacional a R$ 200 mil por apresentação, ter rebatido as críticas que recebeu por ter dito que a crise financeira internacional seria “uma marolinha” no Brasil, os dados econômicos mostram que, ao contrário, o Brasil foi dos países mais afetados pela crise em todo o mundo.
O mesmo trabalho de Reinaldo Gonçalves mostra que, no painel mundial, o Brasil ocupa a 85ª posição nessa questão específica.
Dividindo este painel em quatro grupos, verifica-se que o país está no segundo grupo dos mais atingidos. A frágil posição brasileira, que teve uma queda do PIB de 0,6% em 2010, é evidenciada, segundo os dados do economista, quando se leva em conta que a taxa média de variação do PIB do painel é de 0,1%.
Na análise de Reinaldo Gonçalves, o Brasil é um país marcado por forte vulnerabilidade externa estrutural. O passivo externo bruto ultrapassou US$ 1,292 bilhão no final de 2010.
No período 2003-10, houve reprimarização da economia brasileira, inclusive com significativo aumento do peso relativo das commodities nas exportações brasileiras.
Também o professor André Nassif, da Universidade Federal Fluminense e do BNDES, acaba de publicar em livro da Unctad (United Nations Conference on Trade and Development) um trabalho onde avalia os impactos e respostas imediatos da crise de 2008 no Brasil e na Índia, em perspectiva comparada.
Ao contrário do que repete o ex-presidente Lula, foi na Índia, e não no Brasil, que a crise virou uma “marolinha”. O economista defende “com veemência” o uso da política fiscal no início da crise, mas considera que, passada a crise, o ajuste deveria retornar.
A tese do trabalho é que, para prevenir a recessão em um país, a rapidez e a intensidade das políticas fiscal e monetária são fundamentais.
A resposta contracíclica mais rápida e mais agressiva à crise global na Índia do que no Brasil explicaria por que a economia indiana foi capaz de evitar a recessão em 2009.
Na Índia, apesar do alto crescimento do PIB antes da crise, a economia vinha sendo desacelerada desde 2006 com a prioridade do Banco Central indiano de reduzir a inflação.
Entretanto, desde setembro de 2008 o governo mudou radicalmente sua prioridade com o objetivo de preservar o crescimento da economia.
A Índia não apenas teve sucesso em prevenir a recessão, mas também colocaram a economia em condições de retomar o crescimento.
Diferentemente do Brasil, que caiu em recessão em 2009, a Índia foi o segundo país menos afetado pela crise internacional, atrás apenas da China.
O economista André Nassif vê três razões principais para essa resiliência indiana. A Índia ainda seria um país com restrições a investimentos externos, apesar de ser relativamente aberto no mercado de ações.
Além disso, o Banco Central reduziu com rapidez e intensidade as taxas de juros, um essencial sinal para os mercados de que a prioridade era impedir uma redução das atividades
econômicas.
E, por fim, os estímulos fiscais foram adotados mais rapidamente, e também mais radicalmente, do que no Brasil. Segundo o economista, ficou claro que o governo indiano não aceitaria se desviar de uma trajetória de crescimento dos últimos 30 anos para ter um ano de recessão.
Tudo indica, diz o estudo, que os condutores da economia da Índia aprenderam que dar prioridade ao crescimento não é incompatível com a administração responsável de outras variáveis econômicas que preservem o equilíbrio.
Segundo André Nassif, os atuais condutores da economia brasileira parecem convencidos de que esse é o melhor caminho.
No estudo do economista Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, no entanto, há a demonstração de que foi fraco o desempenho econômico da era Lula pelos padrões históricos do país.
O crescimento médio anual do PIB na era Lula foi de 4%, mais especificamente, 3,5% em 2003-06 e 4,5% em 2007-10. Mesmo no segundo mandato, a taxa alcançada não supera a média secular do país, que, de 1890 a 2010, no período republicano, foi de 4,5%.
Outra conclusão do estudo de Gonçalves é que houve um “retrocesso relativo”. No período de 2003 a 2010, Gonçalves pinçou três indicadores.
O primeiro é a participação do Brasil no PIB mundial. Usando os dados de paridade de poder de compra, verifica-se que não houve alteração, a participação média do Brasil em 2001 a 2002 manteve-se a mesma em 2009-10 (2,9%).
O segundo indicador é a posição relativa do Brasil no ranking da economia mundial, quando se considera a taxa de variação real do PIB no período 2003-10.
O Brasil ocupa a 96ª posição no painel de 181 países. Ou seja, dividindo este conjunto em quatro grupos, o Brasil está no terceiro grupo.
O terceiro indicador é o PIB per capita medido pelo poder de compra. Este indicador de renda para o Brasil aumentou de US$ 7.457 em 2001-02 para US$ 10.894 em 2009-10.
Entretanto, a posição do país no ranking mundial piorou. O país passou da 66a- posição para a 71a- posição. Ou seja, houve retrocesso relativo.
Fonte: O Globo, 04/03/2011
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