O governo continua apostando no mercado interno para enfrentar a crise internacional, mas começou a usar um discurso menos triunfalista e mais sensato – pelo menos de vez em quando. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, defendeu uma política de solidez fiscal para o País atravessar com segurança a nova turbulência. Não é hora, segundo ele, de aumentos salariais para o setor público. Todos os Poderes devem colaborar, acrescentou, em resposta a uma pergunta sobre o novo ajuste pretendido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas o próprio Executivo terá dificuldade para resistir às pressões do seu funcionalismo. Além disso, o ministro Mantega admitiu, há meses, a possibilidade de um ajuste do salário mínimo na faixa de 13% a 14%, com evidente impacto nas contas da Previdência. A proposta orçamentária em preparação no Ministério do Planejamento dará uma ideia mais clara, nas próximas semanas, da efetiva disposição do governo de limitar a expansão do custeio. No Brasil, o custeio é em boa parte um peso morto, por causa da baixa qualidade e da ineficiência dos serviços federais. E parte do investimento é escandaloso desperdício, gerado pelo conúbio da incompetência administrativa com a bandalheira patrocinada pelas coalizões de governo. A faxina em curso é uma inesperada e promissora novidade.
Se o governo executar com alguma decência os investimentos planejados até agora – ou uma parcela maior que a executada nos últimos anos -, já dará uma boa ajuda à expansão da atividade e à sustentação do emprego. Eficiência e parcimônia, qualidades pouco visíveis na administração central, abrirão o espaço necessário a uma política monetária mais branda e mais adequada a um cenário internacional de estagnação. Se a nova relação amigável entre Fazenda e Banco Central (BC) funcionar também nessa direção, o País ganhará. Além disso, o governo terá melhores condições para recorrer a uma política fiscal compensatória, em caso de necessidade, se tiver como base um orçamento menos inchado que os tradicionais.
Seja como for, a ideia de um crescimento sustentado apenas pelo mercado interno – e principalmente pelo consumo – é um tanto ilusória. É preciso levar em conta a evolução das contas externas. A expansão do consumo foi possibilitada, nos últimos anos, por um rápido crescimento da importação de bens finais e bens intermediários. Durante algum tempo, o gasto com produtos importados aumentou mais velozmente que a receita obtida com a exportação. Neste ano, a receita voltou a avançar mais depressa, mas isso se deve em boa parte, se não exclusivamente, à valorização dos produtos básicos. De janeiro a julho, o preço do café em grão, por exemplo, foi em média 64,8% maior que o de um ano antes. O da soja ficou 31,7% acima do registrado nos mesmos meses de 2010. Os do minério de ferro se mantiveram 23,3% superiores aos de janeiro a julho do ano passado. As cotações da maior parte dos básicos exportados pelo Brasil foram muito favoráveis.
Preços favoráveis deverão manter-se nos próximos dez anos, segundo a maior parte das projeções, e isso resultará em grande parte do crescimento econômico da China e de outros emergentes. Mas é muito mais fácil e mais seguro, neste momento, fazer estimativas para longos períodos. A curto prazo, os preços das commodities poderão ser afetados por uma nova desaceleração da economia global. O efeito será mais grave se a China vier a crescer muito mais lentamente, mas esse risco, por enquanto, parece altamente improvável. De toda forma, é pouco aconselhável fazer uma grande aposta baseada na firmeza dos preços das commodities.
As condições do comércio dependerão também da política monetária americana. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) informou a disposição de manter os juros básicos entre zero e 0,25% até meados de 2013, pelo menos.
Não se anunciou uma terceira etapa de “afrouxamento quantitativo”, mas permanece a hipótese de novas compras de títulos federais em circulação no mercado. Se o Fed continuar emitindo moeda generosamente, para compensar o aperto da política fiscal, o dólar poderá novamente cair. Em contrapartida, as commodities poderão novamente valorizar-se. Qual será o efeito mais indesejável para o Brasil?
A presidente Dilma Rousseff tem adotado o discurso da prudência, sempre rejeitando a ideia de uma política recessiva. Mas essa hipótese é meramente retórica. É falsa, no caso brasileiro, a escolha entre a recessão e o expansionismo irresponsável. É possível manter o crescimento, mesmo em face de condições externas desfavoráveis, sem gerar pressões inflacionárias ou comprometer o balanço de pagamentos. A receita deve incluir muito bom senso e, se possível, nenhum populismo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 10/08/2011
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