Não podemos perder o foco sobre as eleições de outubro, já em plena campanha, mas não esqueçamos também das contas públicas, em perigosa trajetória, embora mais preocupante no ano que vem.
Consideramos, contudo, que na transição de poder deste ano, se comparada a 2002, entre FHC e Lula, a cena econômica como um todo parece mais tranquila. A inflação é mais baixa, assim como o juro a 6,5% e o nível de reservas, bem mais confortável do que no citado ano. Lembremos que naquela época as reservas cambiais estavam em torno de R$ 35 bilhões, contra os US$ 382 bilhões atuais. Mas o que preocupa mesmo são as contas públicas.
Para este ano o resultado fiscal consolidado já parece dado. Diante da boa recuperação da arrecadação federal no ano e as várias receitas extras não parece haver grandes receios sobre a meta de déficit primário, definida em R$ 159 bilhões. Achamos que o déficit deve fechar entre R$ 100 bilhões e R$ 130 bilhões. Neste ano, pelos dados mais recentes até maio, o déficit primário, no acumulado, fechou em R$ 933 milhões e em 12 meses próximo a R$ 95,9 bilhões, 1,4% do PIB.
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Mas e no ano que vem? O que esperar?
Neste contexto, causaram desconforto os trâmites no Congresso de inclusão de uma série de medidas, de benefícios tributários, que começarão a impactar as contas públicas a partir do ano que vem. Foram verdadeiras “bombas de efeito retardado”, armadas pelos congressistas na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019. Foi realmente algo assustador, típico de um governo frágil, em fim de mandato, sem muita força para impor alguma disciplina ou harmonia na sua base de apoio no Congresso. Comenta-se que o que foi encaminhado pelos parlamentares, todos de olho no calendário eleitoral, pode gerar um rombo de R$ 100 bilhões (ou mais) para as contas públicas de 2019.
Indo aos detalhes, boa parte deste rombo (nas palavras de alguns, “farra fiscal”) deve vir do marco regulatório do transporte de carga (impacto de R$ 9,0 bilhões); da autorização de reajustes para os servidores públicos (impacto de R$ 17,5 bilhões no ano que vem); da autorização por novos concursos públicos federais; da possibilidade da criação de 300 novos municípios; das compensações negociadas para os Estados a partir da Lei Kandir, com as desonerações das exportações (impacto de R$ 39 bilhões), dentre outras medidas.
Vamos fazendo as contas. Ao que deu para contabilizar já temos um impacto de R$ 79 bilhões a partir do ano que vem (ver tabela ao fim).
Em resposta, o Ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, já disse que estes “benefícios fiscais”, anunciados, são “totalmente inoportunos”. Lembremos que estes benefícios totalizaram R$ 277 bilhões no ano passado. Sendo assim, medidas compensatórias acabarão inevitáveis.
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Segundo o ministro, no retorno do recesso do Congresso, nas três semanas disponíveis, prioridades serão colocadas na mesa, como a aprovação da cessão onerosa, do cadastro positivo, do distrato imobiliário, do projeto de lei das distribuidoras de energia, do projeto de tributação dos fundos fechados para clientes de alta renda, etc. Esta cessão onerosa, por exemplo, trata da revisão dos contratos e exploração do pré-sal assinados em 2010 pela União e a Petrobras.
Sobre os projetos de lei das distribuidoras da Eletrobras, já foram agendados os leilões de cinco, depois de derrubada a liminar dos sindicatos do setor. No próximo dia 26/07 teremos a Cesipa, distribuidora do Piauí, e no dia 30/08 os leilões das distribuidoras do Acre, Amazônia, Rondônia e Roraima. Claro que estes ainda devem passar pelo trâmite do Congresso, segundo exigências recentes do STF, pela Lei das Privatizações.
Claro também que todo este imbróglio acontece num ambiente de eleições, talvez as mais disputadas desde a redemocratização, sem ideia sobre quem devem ser o eleito. Isso deve açodar ainda mais os ânimos, o que torna a tarefa do ministro Guardia um desafio a ser enfrentado. Importante neste contexto será definir também a agenda do candidato eleito. O governo já se mobiliza em costurar uma transição, já tendo conversado com muitos assessores econômicos de candidatos. Nesta, importante será colocar a realidade das contas públicas no radar. Para isso, quem assumir terá que enfrentar a Reforma da Previdência logo de cara. Esta segue em trajetória preocupante e descontrolada no longo prazo se esta não for aprovada.
Um estudo do economista do BNDES Fábio Giambiagi mostra que as despesas com benefícios podem passar, se nada for feito, neste ano de R$ 649 bilhões para R$ 876 bilhões em 2026. O déficit da Previdência, neste ano, deve supera R$ 280 bilhões, já colocando em prova a Lei do Teto dos Gastos. O adiamento da reforma da Previdência, no ano passado e neste ano, acabou decisivo para isso.
Sendo assim, será inevitável que o governante eleito já se depare com o desafio de um pesado ajuste fiscal. O que temos observado, pelos candidatos mais competitivos, são apenas retóricas de campanha, tanto mais à esquerda, como à direita. A realidade da gestão pública acabará se impondo, assim que o eleito pisar no Planalto. Que esteja bem preparado para o que terá que enfrentar.