Com o fim da bonança na economia internacional, o Brasil precisa fazer ajustes estruturais para se adaptar a um novo ciclo, marcado por menos disponibilidade de financiamento externo e por entrada menor de recursos com uma redução dos preços das matérias-primas. No entanto, tudo indica que o governo atrasará os ajustes num ano eleitoral, afirma o economista Edmar Lisboa Bacha. “De 2004 a 2011, tivemos uma farra no Brasil”, diz o ex-presidente do BNDES e do IBGE e um dos idealizadores do Plano Real. “Agora, essa bonança se reverteu”, completa o economista, que é consultor informal do programa de governo do senador Aécio Neves (PSDB-MG). A seguir, os principais trechos da entrevista:
Estadão: O quão exposto o Brasil está à turbulência provocada pela redução dos estímulos monetários do Fed (Federal Reserve, o banco central americano)?
Edmar Bacha: Há dois fatores que nos afetam. Um é o “tapering” (redução da política monetária expansionista do Fed), que implica atração dos capitais que estavam investidos aqui e em outros países emergentes de volta para os Estados Unidos. É um processo que afeta todos os países emergentes dependentes do capital estrangeiro, como é o nosso caso. Há escassez de financiamento externo, que provoca um desequilíbrio nesses países, na forma de depreciação cambial e de aumento na taxa de juros que os investidores demandam para investir nesses países.
Estadão: Qual o segundo fator?
Bacha: A desaceleração da China, que cria uma situação que é a depreciação dos preços das commodities que exportamos. O Brasil se tornou, entre 2004 e 2011, muito dependente tanto da entrada de capital estrangeiro quanto do aumento dos preços das commodities.
Estadão: As respostas da atual política econômica estão no rumo certo?
Bacha: O problema é que a confiança é muito importante. E o fator confiança é constituído não apenas de declarações sobre intenções, mas também do desempenho anterior. E a nossa política econômica, nesses anos todos até recentemente, estava caminhando à deriva. Quando se parte de uma situação de muita desconfiança, para gerar confiança, não bastam boas declarações em Davos. É preciso ações efetivas.
Estadão: Houve alguma mudança recente na política econômica para ela sair da deriva?
Bacha: Houve, claramente, na política monetária, que vinha muito frouxa. De alguns meses para cá, o Banco Central (BC) começou a apertar o torniquete. Houve uma mudança de rumo muito clara, tardia, mas, enfim, correspondendo às necessidades. A questão fiscal é que ainda deixa muito a desejar e ainda está para ser definida.
Estadão: A desconfiança ficou muito forte na política fiscal, não?
Bacha: Com certeza. O superávit primário tinha ganhado certa credibilidade no passado. Ao tentarem manipulá-lo, isso criou uma desconfiança. Além disso, começaram a usar o BNDES para fazer um orçamento paralelo, que gera despesas não computadas no Orçamento. Com essa enorme expansão do BNDES, e também da Caixa Econômica, começa a aparecer uma fragilidade crescente dessas duas instituições. Não cria uma crise financeira, mas cria a expectativa de que haverá no futuro a necessidade de uma recapitalização.
Estadão: Alguns analistas preveem que, por conta desses fatores, 2015 pode ser um ano de crise, com necessidade de ajustes.
Bacha: De 2004 a 2011, tivemos uma farra no Brasil. Do aumento do gasto doméstico, 25% foram financiados pela entrada de capital estrangeiro e pelo aumento do preço das commodities que exportamos. Agora, essa bonança se reverteu. Os capitais deixaram de entrar e estão saindo. E os preços das commodities começaram a baixar, em vez de subir. Isso provoca a necessidade de um ajuste estrutural. Mudou a natureza do ambiente econômico, não é uma coisa episódica. Provoca a necessidade de um grande ajuste da demanda interna. É preciso fazer uma contração da demanda interna.
Estadão: O ajuste é mais penoso se feito mais via juros do que via contenção de gastos do governo?
Bacha: Quanto mais for de juros, mais o setor privado sofre em relação ao governo. O total do gasto é a soma do gasto privado com o gasto do governo. O aumento do juro fundamentalmente atua sobre a redução do gasto privado, enquanto que o governo tem de controlar as próprias despesas. Em cima disso, você precisa gerar mais exportações e menos importações. Isso implica que a taxa de câmbio tem de depreciar. Na hora que a taxa de câmbio deprecia, o consumo interno também tende a diminuir porque o salário real cai, os preços sobem e cria um problema de inflação.
Estadão: O governo parece disposto a fazer ajustes?
Bacha: A governança é muito ruim. O governo está falando que vai mudar, mas discurso só não basta. Eles estão tentando levar na conversa, mas há um problema complicado porque tem as eleições em outubro. Os ajustes necessários são penosos e certamente não são populares. Por isso, há uma crença no mercado de que serão postergados. E o que vai acontecer depois da eleição?
Estadão: As projeções indicam inflação pressionada em 2014. A campanha eleitoral pode ser marcada pela inflação, um tema que mexe no bolso do povo?
Bacha: O governo está contando com uma boa safra (de grãos) para manter os preços dos alimentos sob controle. Não há nada no ar (sugerindo) que ele vá ajustar o preço da gasolina de maneira significativa. E o BC está intervindo no mercado cambial fortemente para evitar uma desvalorização adicional. E eles têm bala para isso. É um conjunto de medidas de postergação dos ajustes.
Estadão: Pode haver uma crise maior em 2015?
Bacha: Pode ser que a Dilma surpreenda como o (ex-presidente) Lula surpreendeu em 2002, nomeando o (ex-presidente do BC Henrique) Meirelles e o (ex-ministro da Fazenda Antônio) Palocci. Nada do que ela fez até agora indica que ela vá nessa direção. Há também uma possibilidade, eu diria que de 50% a 50%, de que, em vez de Meirelles e Palocci, ela vá para o pessoal do (ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Luiz Gonzaga) Belluzzo, que está há muito tempo pedindo centralização cambial, que é o que a Venezuela e a Argentina fizeram. Nesse caso, havendo uma situação de crise, que provoca desvalorização, a resposta é: agora, só tem câmbio para quem a gente quiser. Se o Brasil embarcar nessa aventura, a situação pode ficar muito séria mesmo. Como o mercado não sabe, está fazendo apostas.
Estadão: O Plano Real completa 20 anos neste ano. Quais foram as principais lições que a política econômica brasileira aprendeu com o plano?
Bacha: Ficou muito clara a necessidade de se estar permanentemente preocupado com reformas, para que o País possa crescer com estabilidade. Quando essas reformas são abandonadas, como foram nos últimos dez anos, você cai nesse quadro que estamos agora, de um país doente, que produz “pibinhos”. Apesar dos “pibinhos”, a inflação se mantém elevada e há déficit externo. E com desindustrialização! E continua sendo um país caro, em que é difícil fazer negócios. Os investidores vêm aqui para explorar o mercado interno, mas não fazem do Brasil uma plataforma exportadora, não integram as suas operações aqui com as cadeias internacionais de valor. O Brasil é um país isolado do mundo.
Estadão: Por que o humor dos mercados internacionais com o Brasil parece ter azedado?
Bacha: Em 2001, quando inventaram os Brics (acrônimo criado no banco Goldman Sachs para Brasil, Rússia, Índia e China), as pessoas manifestaram surpresa. Como o Brasil, tão problemático, estava no grupo dos países que vão dominar o século 21? A resposta era a governança. Tinha um governo que tinha feito a estabilização, estava promovendo reformas, enfrentou uma crise séria em 1998, a partir de 1999 criou o tripé macroeconômico e estabeleceu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora, entramos nos “5 frágeis” (termo criado no banco Morgan Stanley para identificar os grandes emergentes mais vulneráveis: Brasil, Índia, Turquia, Indonésia e África do Sul). E as pessoas perguntam: como? A resposta é: falta de governança! Há decepção pelo fato de que o País, com problemas estruturais fortes, não está mais fazendo nada para resolvê-los. Em 13 anos, conseguimos sair dos Brics e entrar nos “5 frágeis”, por cortesia do governo do PT.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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