Se vencer em seu próprio distrito (da última vez foi apertado), o premiê Boris Johnson caminha para ser enfim eleito primeiro-ministro pelo voto popular na eleição de amanhã no Reino Unido. Embora os trabalhistas de Jeremy Corbyn tenham nos últimos dias melhorado o desempenho nas pesquisas, graças a uma campanha pelo voto útil contra o acordo para o Brexit fechado em outubro, Boris deverá conquistar uma maioria suficiente para aprová-lo no Parlamento.
Pela pesquisa mais extensa, que ouviu mais de 100 mil para prever o vencedor em cada distrito, os conservadores obterão 339 das 650 cadeiras no Parlamento, 28 a mais que os demais partidos somados. No levantamento anterior, a maioria prevista era de 68 cadeiras. Mesmo que tenha avançado, será difícil para Corbyn evitar a derrota.
Boris assumiu o cargo ao vencer uma eleição interna no Partido Conservador depois da renúncia da ex-premiê Theresa May, cujo acordo para o Brexit, mais suave, fora derrotado três vezes no Parlamento. Em desafio à expectativa, negociou um novo acordo, embora não tenha cumprido a promessa de tirar o Reino Unido da União Europeia (UE) no dia 31 de outubro “vivo ou morto”.
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Para fechá-lo, traiu a confiança dos unionistas norte-irlandeses e aceitou que, para manter aberta a fronteira entre as duas Irlandas, seria necessário estabelecer controles alfandegários internos, dentro do próprio Reino Unido, entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte. Seu acordo veta qualquer união aduaneira ou mercado comum com a UE e prevê a negociação (impossível) de um tratado de livre-comércio com os europeus até o final de 2020.
Mesmo que um milagre produzisse tal tratado, a economia britânica sofreria mais do que se o país permanecesse numa união aduaneira ou ficasse na UE. Há ainda um risco concreto de, não havendo tratado de livre-comércio em um ano, o Reino Unido pular fora do bloco sem acordo, provocando um choque econômico sem paralelo e levando o país a um caos de ordem prática.
Longe de encerrar a novela do Brexit, como sugere o slogan de campanha de Boris – “Get Brexit Done” (Termine o Brexit) –, a aprovação de seu acordo no Parlamento apenas abriria uma nova temporada do seriado interminável. A nova fase de negociações comerciais com a UE repetiria os mesmos riscos e os mesmos conflitos, num enredo que não parece ter fim.
A proposta de Corbyn, contudo, traz uma resposta ainda mais incerta. Ele sugere reabrir mais uma vez a negociação com a UE para fechar um acordo mais vantajoso, que seria levado à aprovação popular num novo plebiscito. Não há motivo algum para acreditar que teria apoio para aprovar essa ideia, num Parlamento rachado em torno da questão.
Corbyn foi incapaz de assumir uma posição concreta diante do Brexit, incapaz de combater o antissemitismo que viceja em seu partido, incapaz de manter os eleitores tradicionalmente trabalhistas das regiões industriais do Nordeste e incapaz de colocar o interesse nacional acima de seu próprio interesse político. Como argumentou o analista Matthew D’Ancona, parece mais preocupado em manter o controle do Partido Trabalhista nas mãos da facção esquerdista radical que lidera do que em derrotar os conservadores nas urnas.
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Boris, por seu turno, se tornou um propagador de mentiras em série sobre o Brexit e, para subir ao poder, aliou-se ao grupo mais radical entre os conservadores, que desde o início defendia uma ruptura radical.
Na fantasia, pintava uma miragem: ressuscitar o Império Britânico, transformar Londres num refúgio para o capital financeiro, uma “Cingapura-sobre-o-Tâmisa”, espalhar acordos de livre-comércio pelo planeta, em particular com os Estados Unidos. Na prática, negociações comerciais são mais duras, mais longas, mais complexas e, sobretudo, mais maçantes do que dão a entender as frases de efeito de Boris.
Se Boris derrotar Ali Milani, o jovem trabalhista de 25 anos nascido no Irã que o desafia no próprio distrito; se evitar que o acirramento da corrida nesta reta final resulte num Parlamento indefinido, sem nenhum partido capaz de formar maioria; se mantiver o apoio de todos aqueles que defenderam o acordo com a UE, apesar de ele ser pior para o país que o de May; se o Parlamento Europeu também aprová-lo, apesar das resistências; se tudo ocorrer como previsto, Boris terá enfim seu tão sonhado Brexit em 31 de janeiro. Perceberá, então, que seus pesadelos apenas começaram.
Fonte: “G1”, 11/12/2019