A conduta do governo Dilma em relação à Líbia na ONU e a decisão de reconhecer a oposição foram corretas; nossa ida a Damasco como queria o ditador sírio, não
A primavera árabe transformou-se em um verão quente e sangrento. Em quase todos os países, o sonho de criar aberturas ficou pelo caminho. A exceção é a Líbia, que hoje apresenta novas perspectivas diante da iminente queda de Muamar Kadafi. Façamos um breve balanço.
No Egito, muitos voltaram à Praça Tahrir em busca das esperanças perdidas e os militares continuam firmes no comando. O ditador sírio, Bashar Assad – com toda sua educação britânica e seu ar civilizado -, está massacrando seu povo e não cogita de ir-se embora como o egípcio Hosni Mubarak e o tunisiano Zine El Abidine Ben Ali. No Bahrein, houve uma intervenção militar saudita para impedir que a maioria xiita tivesse êxito contra a monarquia sunita.
O curso dos eventos vai produzindo uma região cada vez menos tolerante, menos próspera e mais instável. As chances de que a primavera árabe dê frutos democráticos parecem cada vez piores, infelizmente.
O Brasil tem acompanhado esses eventos com prudência. No passado, nossa tradição diplomática foi por vezes atropelada, sobretudo no último governo, quando tomamos partido de regimes ditatoriais e nos envolvemos em campanhas eleitorais de países estrangeiros. Mas, na gestão do ministro Antonio Patriota, houve um retorno ao acerto – exceção feita ao caso da Síria.
Reunido na noite de 22 de fevereiro sob a presidência da competente embaixadora brasileira Maria Luisa Viotti, o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou, por unanimidade, a violência de autoridades da Líbia contra manifestantes. A resolução era equilibrada e o Brasil a favoreceu. Posteriormente, em 17 de março, o conselho votou outra resolução – a qual permitiu, ainda que de forma oblíqua, o uso da força com base no capítulo 7 da Carta da ONU. Desta vez o Brasil se absteve, de acordo com sua posição clássica de não apoiar intervenções militares. Acertadamente, a meu ver.
Mesmo que a decisão vedasse a ocupação e mencionasse “todas as medidas necessárias para proteger a população”, o uso da força vinha cercado de ambiguidades. Foi, sobretudo, uma demonstração de valentia da França, Grã-Bretanha e Itália, cada qual com suas razões internas para assim proceder. Do mesmo modo, os EUA – que têm pouco interesse na Líbia – afastaram-se logo das operações. Na realidade, quem derrotou Kadafi foram os rebeldes líbios, não se sabe bem com que tipo de apoio externo. Após o reconhecimento do Conselho Nacional de Transição líbio pela Liga Árabe, o Brasil também deve tomar essa decisão. Não há como criticar a posição brasileira em todo o episódio da Líbia.
O caso da Síria é distinto. Travam-se nesse país duas faces diferentes da mesma guerra. Na primeira, Assad usa todas as armas do Estado contra seu próprio povo, em atos de barbárie de escala raramente vista. A segunda é a confrontação indireta entre o Irã e a Arábia Saudita.
Nenhuma das duas facetas da crise síria dá motivo a uma mediação ou participação brasileira com o Ibas (sigla integrada também por Índia e África do Sul) ou a qualquer título. Um ditador como Assad só é capaz de utilizar o Brasil para seus próprios fins de propaganda e justificação. Nunca para ouvir nossas exortações e apelos às soluções negociadas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 23/06/2011
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