Após palestra realizada no Centro David Rockefeller de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Harvard, Marcos Troyjo conversou com Fábio Pereira Ribeiro, especialista em finanças, inteligência estratégica e política internacional, sobre ascensão dos BRICs e os desafios do Brasil para ocupar um lugar de mais destaque nas relações internacionais contemporâneas.
Marcos Troyjo é diretor-presidente do Centro de Diplomacia Empresarial e co-diretor do BRICLab da Columbia University. Pesquisador da Universidade Paris-Descartes (Sorbonne), é autor de “Nação-comerciante, poder e prosperidade no século XXI” (Aduaneiras, 2006), e especialista do Instituto Millenium.
Fábio Pereira Ribeiro – Como os grandes países emergentes estão se preparando para a nova economia política global?
Marcos Troyjo – A ideia de BRICs (conjunto de nações emergentes que congrega Brasil, Rússia Índia e China) como categoria válida para a análise do presente e futuro das relações internacionais é um “conceito-em-construção”. O sucesso de cada um desses países na economia política do século XXI resultará essencialmente de quatro perguntas que países candidatos à potência internacional têm de responder: Qual é seu projeto nacional? Como perseguirá seus objetivos num mundo interdependente e conflituoso? Como está se preparando para a economia digital do conhecimento? E que sacrifícios está disposto a fazer?
Os BRICs, se quiserem ademais atuar como grupo, em coesão que permita somar forças e assim influenciar em maior medida as relações internacionais, terão de tornar-se mais do que apenas nações que compartilham dimensões geográficas e estatísticas econômicas e sociais semelhantes – grande território, grande população, grande economia, grande potencial para desempenhar papéis construtivos ou fragmentários em suas regiões geopolíticas e na economia global. Será fundamental construir visões e ações articuladas na busca de seus interesses e acerca do entendimento de como o mundo deve funcionar. É também fundamental estabelecer instâncias regulares e formais que congreguem líderes empresariais, porta-vozes da sociedade civil e autoridades governamentais na formulação de agendas comuns.
Ribeiro – Não se está colocando muita ênfase na coesão dos BRIC?
Vale enfatizar que (ao menos até agora) os BRICs não são uma organização internacional. Não são, tampouco, um bloco econômico com modalidades de livre-comércio. Não são, muito menos, plataforma para construção de consensos quanto a itens da agenda internacional como direitos humanos, meio ambiente paz e segurança internacionais regras para o comércio internacional, atuação conjunta na ONU ou OMC etc.
Ribeiro – Quais parâmetros guiarão as escolhas dos BRICs?
Troyjo – Os BRICs têm de saber o que querem para seus países, para suas elites, o que querem do mundo e para o mundo. Portanto, é preciso questionar se os BRICs têm um projeto de poder, um projeto de prosperidade e um projeto de prestígio.
Ribeiro – Qual deve ser o comparativo entre as motivações e capacidades de cada BRIC para o cenário internacional?
Troyjo – A China deseja ser rica e daí poderosa. Ela seguramente tem um projeto de prosperidade em vigor já há mais de 30 anos. Isso contribui para o incremento de seu prestígio e poder. Sua performance no campo dos chamados “novos” itens da agenda internacional (diretos humanos, meio ambiente etc.) é das mais sofríveis. A China continuará a ser a planta de manufatura industrial do mundo ainda por muitos anos. O investimento na China será motivado essencialmente pela criação de infraestrutura local voltada ao comércio em terceiros países.
Já a Índia deseja ser poderosa e daí ter prestígio. O diferencial competitivo tem vindo da baixa remuneração do fator trabalho (salários) em determinados setores (têxteis, outsourcing, tecnologias da Informação). Não possui nenhum projeto articulado de prosperidade. O investimento continuará a vir de empresas que desejam reduzir seus custos salariais e de produção mediante a “offshorização” de suas operações. O investimento será vigoroso em áreas de valor agregado como a indústria química, software e outros segmentos relacionados às TIs, mas em escala insuficiente para fazer um “boom” que perpasse toda sua estrutura socioeconômica de castas. Ademais, os mercados de capitais ainda são pouco significativos.
A Rússia quer poder, prosperidade e prestígio, mas não sabe como chegar lá. Às vezes, ainda fala como se fosse uma superpotência. A população de cientistas é imensa. A europeização da Rússia irá representar uma tensão entre conflito e cooperação com países de seu entorno que acabará por produzir efeitos positivos para a Moscou. No instante em que a economia européia estiver reequilibrada, o investimento da União Européia fluirá fortemente a Rússia, pois é a última fronteira da Europa. A credibilidade do mercado de capitais e das instituições é ainda bastante frágil e vai demorar anos para tornar-se sólida. O investimento doméstico e internacional estará focado principalmente em infraestrutura e indústrias de capital intensivo.
Ribeiro – E o Brasil?
Troyjo – O Brasil se insere numa atmosfera de incerteza quanto à economia global. Tal cenário pode implicar significativa estiagem internacional de capitais. A dependência que hoje nosso perfil econômico externo mantém com a China é por demais arriscada. É com este ambiente externo que devemos dar sentido prático à continuada expansão da economia brasileira e o resgate da dívida social. Será preciso aliar esforços de governo e sociedade na construção de um projeto para os próximos 25 anos. Esse projeto tem de conjugar aquilo que as empresas brasileiras vêm fazendo de melhor em termos de mercado global e uma visão estratégica de como devemos nos inserir na geoeconomia do século XXI.
Ribeiro – Para o Brasil, quais devem ser os pilares de uma nova competitividade externa?
Troyjo -O papel a ser desempenhado pelo Estado é central. É dizer, o governo é parte da solução e parte do problema. A opção pelo mercado interno por parte do Brasil tem sido cantada em prosa e verso como a grande responsável pela maneira quase incólume com que o País passou pela crise deflagrada em setembro de 2008. Isso leva alguns a concluírem que é um erro a internacionalização da economia brasileira. Que não importa a pequena ênfase que o Brasil confere à conquista de mercados externos. Ora, nada mais errado. A China também atravessou a crise de cabeça erguida, e ostenta 60% de seu PIB relacionado ao comércio exterior.
Muitos acreditam que a baixa participação do Brasil no comércio mundial (menos de 1% de tudo que se compra e vende no mundo) e do comércio exterior no Brasil (apenas cerca de 17% do PIB) é fruto do protecionismo dos países mais ricos. No entanto, há questões prévias, ainda mais importantes que o resultado dessas negociações. Por exemplo: o Brasil quer fazer do comércio exterior sua principal via de inserção na economia global? Será que desejamos que o comércio exterior se torne nossa ferramenta privilegiada para a construção de poupança nacional e de recursos para investir? Temos portanto que substituir noções simplistas, como a idéia de que “o mercado mundial pode ser interessante para o Brasil se barreiras protecionistas forem eliminadas”, por questões como “qual nossa estratégia de promoção comercial mesmo num mundo protecionista?”
As lições da história econômica das últimas décadas ensinam claramente que aqueles países que buscaram a internacionalização tiveram mais êxito do que os atrelados dogmaticamente a seu mercado interno. Cabe ao Brasil aprender essa lição. Para esse objetivo, além das reformas trabalhista, previdenciária e tributária, há um “quarteto” de prioridades: a facilitação da legislação interna para abertura de empresas de vocação exportadora, a ênfase nos aspectos logísticos de projetos a serem contemplados pelas PPPs (parcerias público-privadas); a formação de recursos humanos especializados, no âmbito do setor privado, para a promoção comercial no exterior e a atração de IEDs (investimentos estrangeiros diretos), e o fortalecimento da presença das micro e pequenas empresa mediante consórcios exportadores. Eis os primeiros, e elementares, passos rumo a uma nova inserção externa.
Ribeiro – Qual então sua visão prospectiva para o Brasil?
Troyjo –O Brasil ainda está em busca de um projeto articulado de poder ou prosperidade. Sua visão estratégica é mais geopolítica que geoeconômica. Sua idéia de prestígio está entrelaçada principalmente com o fortalecimento da ONU e a construção de uma Comunidade Sul-Americana de Nações, bem como a cooperação Sul-Sul, mas com pouca margem para além das “boas intenções” e relações “equilibradas”. Tentativas levadas a cabo pelo Brasil de construir relações estratégicas, como a China ou a França, são unilaterais na maioria das vezes.
A nova posição do Brasil nas relações internacionais virá de êxitos em setores específicos (agroenergia, mineração, perfuração e extração de petróleo offshore, aviões, conglomerados bancários gigantes e os efeitos multiplicadores para a indústria de serviços do investimento em infraestrutura). E, em grande medida, pelo novo status de potência petrolífera viabilizado pelas descobertas do pré-sal. Eis a grande janela de oportunidade, associada à economia da criatividade, para fazer as reformas internas, subir o investimento em P&D para 2% do PIB e internacionalizarmos a marca ‘Brasil’. Assim, o País estaria inserido de forma definitiva no quadro das nações mais dinâmicas, prósperas e influentes do século XXI.
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