Ainda que prevista, a queda da produção manufatureira em abril deste ano, de 10,0% na comparação anual, assustou. A contração acumulada no ano (8,5%) e a constatação de que hoje a indústria de transformação produz pouco mais (3,5%) do que dez anos atrás também chocaram. Como também impressiona o baixo crescimento da produtividade, nesse que é visto como o setor da economia mais dinâmico tecnologicamente. No último setênio, o PIB por hora trabalhada na indústria de transformação aumentou apenas 1,1% ao ano, em média.
Esse fraco desempenho não é exclusividade da indústria de transformação: com exceção da agropecuária, em todos os setores a produtividade tem crescido pouco ou caído. Com isso, entre 2007 e 2014 o PIB por trabalhador aumentou apenas 1,5% ao ano. Em 2015-16 esse indicador vai cair, trazendo a média decenal ainda mais para baixo.
Esse quadro não é resultado da crise financeira internacional. Entre 1980 e 2014, a produtividade do trabalhador brasileiro caiu 7%, ou uma média de 0,2% ao ano. Não fosse o emprego ter crescido mais que a população total, o PIB per capita não teria aumentado o pouco que subiu nesses 34 anos: 0,9% ao ano.
[su_quote]A história mostra que as mudanças em períodos de crise não são duradouras, servindo só para impedir o pior[/su_quote]
Com o fim próximo do bônus demográfico, e mantida a alta média anual de 1,1% na produtividade do trabalho observada desde o Plano Real, o potencial de crescimento brasileiro não ultrapassará 2,2% ao ano, ou 1,5% per capita. Isso não bate com as expectativas da sociedade brasileira. O resultado será a alternância entre períodos de forte expansão da demanda com outros de austeridade, voltados para curar os excessos do ciclo anterior.
Ou seja, um crescimento efetivo abaixo do potencial. De fato, o FMI projeta alta média anual do PIB per capita brasileiro de apenas 0,8% em 2015-20, não muito diferente da média desde 1980. Nesse ritmo, precisaremos esperar até o ano 2100 (86 anos) para dobrar o PIB per capita! À guisa de comparação, com o mesmo raciocínio, China e Índia dobrariam seus PIBs per capita em 12 anos.
É possível sair desse quadro de quase estagnação? Sim, mas não será fácil. Temos ideia do que precisa ser feito, mas não de como fazer as coisas acontecerem na escala necessária.
Comecemos pelos fundamentos. A produtividade do trabalho depende de quatro fatores: a quantidade de capital por trabalhador, o seu capital humano, a tecnologia de produção e a eficiência com que esta é utilizada.
O primeiro fator depende de quanto investimos e de quão eficientes somos em transformar esse investimento em capacidade de produção. Estamos mal nos dois casos. A infraestrutura é um exemplo óbvio, a construção residencial é outro. Para mudar esse quadro necessitamos formalizar mais a economia e reduzir o risco e elevar o retorno do investimento. Também precisamos melhorar a gestão pública e privatizar mais setores.
Em relação ao capital humano, temos registrado avanços na escolaridade média e nos indicadores de saúde, mas a qualidade do ensino deixa muito a desejar. O avanço no ensino médio foi quase nenhum. No que tange à tecnologia e à eficiência, somos penalizados pela elevada informalidade, a economia muito fechada, e o peso excessivo da burocracia.
Avançar nessas frentes é muito difícil. Minha visão é que a sociedade brasileira se preocupa demais em expandir seu pedaço do bolo e de menos em aumentá-lo. Isso vale do bolsa família ao bolsa empresário. O resultado é o aumento dramático da carga tributária, das regulações públicas, do conflito judicial e da incerteza.
Em economês, diríamos que a sociedade brasileira está presa em um jogo não cooperativo em que cada grupo age racionalmente, procurando o melhor para si, mas o resultado é coletivamente ruim. Na Teoria dos Jogos, essa situação é às vezes chamada de Tragédias dos Comuns.
Sair dessa armadilha exige alterar o que é racional para cada grupo buscar – em economês, os ganhos com cada estratégia. É isso que ocorre nas crises: a meia volta recente na política macroeconômica é um bom exemplo. Mas nossa história mostra que as mudanças nesses períodos de crise são insuficientes e não duradouras, servindo quase que apenas para impedir o pior.
Na ausência de outro boom de commodities, sobram duas possibilidades de mudança. Uma, em que o lento avanço social gera uma mudança cultural capaz de criar uma coalizão grande o suficiente para impor um modelo econômico mais cooperativo, capaz de acelerar o crescimento. Infelizmente, contrapõe-se a isso o envelhecimento da população, que tornará o eleitorado mais focado no presente e menos disposto a aceitar sacrifícios em troca de um futuro melhor.
A outra alternativa é que esse processo de contínuo aumento do gasto público corrente e da carga tributária, associado a um nível crescente de atrito social, gere uma crise econômica de proporções suficientes para motivar um redesenho institucional mais duradouro e que seja mais favorável ao crescimento. Isso exigiria que as coisas piorassem antes de melhorar.
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2015.
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