Brasil: opção econômica é sair, opção política é reclamar
As pessoas e seus negócios fazem opções simples e práticas: “Quando as coisas não funcionam, há duas opões: ir embora ou reclamar. Ir embora é a típica opção econômica; a voz, a política“. (Sir Ralf Dahrendorf). São opções de mercado feitas por pessoas. A sociedade compreende mercado e pessoas.
A globalização modificou a dinâmica das relações civis entre os países, entre as empresas e estado, entre pessoas e estado. E agora pede ao Brasil uma governança atualizada desta relação Estado-Mercado – a vida normal em sociedade. Internamente já entendemos isso também. São inadiáveis os ajustes institucionais que confrontem nossa infra-estrutura legal tradicional, nitidamente teórica e emocional, orientada a tributar, fiscalizar quem empreende e “proteger” uns dos outros. É preciso encerrar este período e recuperar princípios naturais que na Europa precederam o século XX, que acabou em 1989 pelas revoluções das liberdades econômicas ainda em curso.
Não há o que temer quanto à globalização. Roberto Campos já advertia que ela “não é a primeira, mas a quarta”. Agora, porém, sob uma força inercial irreversível porque está sustentada por instrumentos que lhe dão velocidade e peso.
O que se percebe aqui e ali é que a homogeneização das leis e dos sistemas acaba gerando maior capacidade de governança privada e auto-regulação, versus intervenção estatal, e que isso não piora em nada o que já existe, nem produz fraqueza de soberania, tampouco altera o poder local. Pelo contrário, os estudos mostram que em qualquer época, a despeito dos processos globalizantes, sempre houve prevalência de leis locais, municipais, sobre qualquer outra tendência. E que também não há perda de identidade.
“O que não significa globalização?”, pergunta Michel Albert, ou ainda, “o que significa ser francês?”, diz o Presidente Sarkozi, ele mesmo descendente de húngaros. O que é ser brasileiro? Que medos temos nós da globalização? Tememos a invasão de capitais, investimentos ou pessoas no Brasil?
Enxergar a realidade decorre da nossa maturidade civilizatória, agora inevitável, em tempo real. A realidade nos pede estratégias orientadas ao fortalecimento da economia, consciência e visão claras das ferramentas de ação para a consolidação do País na sua vocação natural de receber os investimentos internacionais que anseiam por vir, e efetivamente liderar esta região “chave”, a América do Sul.
O Brasil promulgou a sua “Constituição cidadã” em 1988 como uma grande vitória. E até foi, no limite de alguns direitos fundamentais, quando resgatamos marcos importantes. Mas, um ano depois, o mundo derrubou o muro de Berlim e também o nosso grande marco pétreo equivocado – o erro conceitual de um tipo de Estado guloso e promíscuo; presente e pesado onde não deve e obeso e ineficiente no que lhe compete. Falta de sorte, digamos.
E aí está nossa Diana de Éfeso: Constituição intocável e a tão preciosa burocracia dirigista imposta ao País pelas minorias. Ao desenvolvimento econômico restou o exercício de tentar ir à frente com marcha à ré.
O Século XX experimentou certamente mais transformações sociais e revoluções humanas do que o restante da história da humanidade, acelerando exponencialmente o metabolismo da humanidade. As revoluções tecnológicas que no século XIX aconteciam a cada cinqüenta anos, passaram a ocorrer a cada quinze anos no início do Século XX. Em 1990 este gap era de 24 meses e hoje talvez sejam dias, senão horas. Os nomes dos grandes negócios são invenção, inovação – catorze patentes por dia, diz a Bosch. Não há fronteiras e não há Estado ou sistema capaz de organizar ou controlar tal furacão de mudanças nos padrões convencionais. A invasão das fronteiras e dos limites não é fruto de uma convenção internacional, nem da ausência dela. “It’s the technology, stupid” diria Carville. É o passo marcado e acelerado da humanidade na expressão mais primitiva do exercício de fazer, o homem, o que bem quer. “It’s the economy, stupid.”
É possível que a gravidade e a sorte em curso no Brasil não continuem pesando para indicá-lo como campo de pouso confiável ao vôo do capital mundial não volátil. Se não forem derrubadas as cercas, aplainada alguma pista e retirados os animais deste pasto, é provável que ele não pouse aqui, e que outros ainda partam, por decisão econômica. Há todo um esforço mundial para que não seja assim, e possamos recebê-lo. Porém, o capital de longo prazo gosta de liberdades, estabilidade e segurança.
Flexibilidade é a chave destas mudanças e significa, em primeiro lugar, a desregulamentação, a limitação das interferências governamentais e “o alívio da carga tributária sobre empresas e indivíduos; maior facilidade de admissão e demissão, aumentar e diminuir salários, ampliação das possibilidades e variações de contrato de trabalho, alterações” (Dahrendorf)
É esta a nova governança que tem sido proposta para a sociedade civil em todos os países: o Estado longe da mesa de negociação. Corporações sociais espontâneas já existentes, e seu entrelaçamento com a atividade econômica é a regra natural. A sociedade civil é o mercado, e vice versa. E a ambos se costuma chamar de vida real em sociedade – a democracia sem respirador artificial.
A opção econômica deles – dos “investimentos” – é a saída, ou não vir, se e quando sob um estado como o atual, do País. A nossa é a opção política – a voz do empresário, do contribuinte, das pessoas, do político sem os véus ideológicos que ainda mantêm alguns no ensaio geral sobre a cegueira.
A sociedade brasileira não deveria negligenciar esta sua primogenitura, a prevalência de seu estado natural para se legitimar na liderança do continente. Só não fará isso se perdê-la para si mesmo, para o corporativismo de Estado para as minorias dirigentes, a burocracia.
As invariâncias estruturais, os corporativismos e coisas semelhantes não levaram apenas à corrupção, mas, sobretudo à imobilidade e, naturalmente, a uma competitividade em rápido declínio. (Dahrendorf).
O Brasil não é a Europa. Nem mesmo a Europa quer mais ser a Europa. Já faz tempo que a Suécia já não é a Suécia que estamos pensando (no sentido dos altos impostos e de o corporativismo estatal da paz de cemitérios). Já avançou e hoje a grande atenção de toda Europa diz respeito aos caminhos a trilhar depois do choque da globalização.
A síndrome sueca constitui um exemplo muito evidente de que, dentro em breve, as nações já não serão capazes de cumprir as promessas feitas. De fato, em países como aquele, é necessário fazer alguma coisa para os fins da vitalidade econômica. (Dahrendorf).
A característica da natureza humana é a criatividade, a expansão e o empreendedorismo. Liberdade econômica é o contraponto da indolência estática insistentemente desenhada ao longo da história recente, como teoria antinatural do paraíso coletivo estatal. Até na China esta ficção já foi empírica e custosamente reprovada, e precisamos vê-la tal como é, observando os vizinhos Venezuela, Cuba e até mesmo Argentina, e adaptar o País a um novo tipo de cidadania, como fez o Chile.
A liberdade acaba se impondo em dado momento sobre todas as organizações humanas que pretendam fazer outros planos a seu respeito. A liberdade econômica gera movimento, atividade, vida; ao Estado cabe garanti-la, e fazer alguma justiça. A falta dela dá em paralisia.
Tamanho e do peso do Estado são as questões deste novo governo. Sem elas, teremos mais do mesmo. Já não basta mais do mesmo. Ou então pagaremos o preço de seguir impedindo a vinda do grande capital para investimentos de longo prazo; pior, eventualmente pagando o preço da saída econômica plena – de investimentos e de pessoas. É só algo dar meio errado.
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