Ainda é cedo para avaliar o governo Bolsonaro, mas até o momento, não parece ter havido grandes sobressaltos particularmente na economia. As dificuldades iniciais, com divergências entre diversos membros do governo, inclusive o presidente, parece ter ficado para trás. Melhor ainda, parece haver convergência mais pacífica entre a equipe política e a econômica, essencial para que a reforma da previdência seja aprovada. Enquanto a parte econômica do governo espera o novo Congresso para negociar as novas medidas, nada de relevante deve aparecer por agora.
Os olhos, assim, se voltam cada vez mais para o cenário internacional, este sim com todo sinal de turbulência mais concreta este ano. No último artigo escrevi que os EUA estão às portas de uma recessão e, de fato, parece ser esse o caso. Até 2020, devemos ver a economia americana entrar em franco descenso, mesmo com a sinalização de aumentos menores de juros por parte do Fed. Isso porque não é apenas os juros a parte relevante da política monetária por lá, mas também o quantitative easing, que está em processo de desmonte sem sinais de mudanças significativas este ano.
Ao mesmo tempo, o governo Trump não parece dar sinais de querer apaziguar. O shutdown segue firme, com provável prejuízo para o crescimento americano, o que, aliás, ajuda a manter a inflação sob controle. Alguém deve ter falado ao presidente que aumentar ainda mais as tarifas poderia pressionar os preços e colocar o Fed sob pressão com os juros. Como a obsessão de Trump é afugentar qualquer risco de recessão, ele pode optar por uma saída que busque soluções de longo prazo, como na discussão sobre propriedade intelectual, do que atacar pelas questões de curto prazo, como o aumento de tarifa.
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Mas, para Trump, a questão comercial parece ser um ato de fé. Sai a China do cenário, deve entrar a Europa. Há indícios de que Trump voltará a pressionar os europeus e japoneses com aumentos de tarifa localizados no setor automobilístico, o que tira o peso de um impacto mais generalizado na economia, mas não deixa de querer agradar uma base de financiadores importantes do partido republicano como é a indústria automobilística, sem falar na suposta proteção ao emprego da indústria, afetada especialmente na importante base de apoio ao presidente no meio oeste americano. Mas, como se sabe, tal aumento de tarifa tende apenas a aumentar o preço final do consumidor sem gerar benefícios reais em termos de emprego. O custo social de um aumento de tarifa é muito maior do que o benefício privado que uma ou outra empresa possa ter.
A própria guerra tarifária tem começado a gerar efeitos negativos na Europa e na China. Este teve os piores números no nível de atividade nos últimos anos enquanto os europeus se veem às voltas com o Brexit e uma recente forte desaceleração alemã.
Theresa May ganhou uma sobrevida por falta de concorrentes, mas seu governo fraco terá dificuldade de negociar qualquer novo pacote com o Parlamento e com a União Europeia. A saída, pelo jeito, será um novo governo e/ou um novo referendum. Espera-se que dessa vez a população inglesa tenha percebido as consequências negativas de saída do Reino Unido. De qualquer maneira, até se decidir qual solução tomar, os ingleses deverão ajudar no mais de incertezas da economia mundial este ano.
No caso mais geral europeu, começamos a ver retaliações dos países afetados pelo aumento de tarifas unilateral de Trump e que começam a atingir o Brasil. Se há benefício para o setor agrícola da retaliação chinesa à soja americana, o aço brasileiro sofreu os efeitos do aumento de tarifa no setor que o governo Trump implementou ano passado. Pelo excesso de aço no mundo, a Europa aumentará a tarifa de importação do aço brasileiro a partir de fevereiro. Aumentos generalizados de tarifas de importação está entre as razões para o crescimento menor que se verá em 2019.
Aqui na América Latina, nosso principal parceiro comercial na região, a Argentina entrou em recessão e foi responsável pela forte piora no nível de atividade brasileiro no final do ano passado. A indústria deve fechar dezembro com queda de 3% no interanual e terminar o ano com alta de apenas 1,2%, muito aquém do que se imaginava no início do ano. Aqui a surpresa negativa não veio apenas da Argentina, mas da greve dos caminhoneiros em maio que afetou bastante a produção industrial a partir dali.
Na onda das redes sociais que tem comparado fotos de pessoas hoje e dez anos atrás, vale ver o estado do mundo hoje e um pouco além de dez anos antes, especificamente em 2007, imediatamente antes da Grande Recessão. O crescimento exuberante que se via então na América do Sul, África, Ásia e parte da Europa deu lugar a um cenário de crescimento muito mais moderado (em um mundo muito mais endividado). Esse cenário moderado caminha para se tornar ainda mais preocupante em 2019. E não há sinais no momento de reversão dessa trajetória, o que faz com que o planejamento das empresas para 2019 e 2020 incorpore um crescimento mundial bem menor do que se viu nos últimos anos.
Isso vale para o mundo. Para o Brasil, a situação poderá ser outra se a reforma da previdência for aprovada. O Brasil tem potencial de ser um polo relevante de investimentos nos próximos anos se encaminhar bem as reformas agora. Não haverá país no mundo com o potencial de crescimento em infraestrutura que temos e, espera-se, a estabilidade democrática que Bolsonaro tem preservado por ora. Está nas mãos do governo se iremos cair junto com o mundo ou se nos destacaremos no mar de dificuldades que se avizinha.
Fonte: “Exame”, 18/01/2019