O país não sabe qual o melhor caminho para o dinheiro público por falta de indicadores que mostrem os resultados das políticas públicas implementadas pelo Brasil. Conhecer bem os frutos de tais iniciativas é o ponto de partida para fortalecer o que teve sucesso e reformular o que não funcionou. É o que defende Marcos Lisboa, novo diretor-presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). “Gastou-se muito ou pouco no Fies? Não sabemos. Qual foi o resultado do Fies para as pessoas? Não sabemos.”
Lisboa sucede Cláudio Haddad, que ficou 16 anos no cargo. Os dois dizem compartilhar a paixão pela educação. “Sempre o vi como um possível sucessor”, diz Cláudio. O antigo presidente continua à frente do conselho e da assembleia de associados. Em entrevista, a dupla fala sobre o futuro do Insper e discute educação no Brasil. Eles frisam a falta de estudantes com conhecimento e preparo para aproveitar um ensino superior de alta qualidade. “Temos deficiência no ensino básico.” Confira a conversa:
Época: Como se deu o processo de sucessão?
Cláudio Haddad: Em 2004, o Insper passou a ser independente e sem fins lucrativos. Tínhamos a preocupação com a futura sucessão. Não foi uma preocupação inicial, mas ela surgiu. E conheço o Marcos há bastante tempo. Sempre o vi como um possível sucessor — por suas qualidades, capacidades e porque é apaixonado por educação. Ele já tinha familiaridade com os projetos do Insper e fazia parte de nossa equipe de avaliação. Achei que também estava em uma fase de vida que talvez desejasse uma mudança. Então o consultei há uns três anos e ele ficou interessado. Senti que o olho dele brilhou, o meu também. Há dois anos, veio oficialmente como vice-presidente, para conhecer mais da escola. E nós o conhecermos. Até que, em comum acordo, percebemos que estava na hora de dar o próximo passo.
Época: Como vocês pensam o futuro do Insper? Existe um limite para o crescimento, em termos de qualidade?
Marcos Lisboa: No caminho da excelência do ensino, nós avançamos muito. Mas temos muito mais a avançar. A trajetória está bacana, mas temos que continuar. Isso é a primeira parte do trabalho. A segunda, discutir possibilidades de futuras expansões da escola. Nós, futuramente, vamos conversar sobre e chegar a um consenso.
Época: E novas opções de cursos?
Marcos: Não estão descartadas. Nosso projeto é formar gente, empreendedores e gestores que ajudem no desenvolvimento.
Cláudio: Temos a missão de educar e poder gerar conhecimento relevante. Não queremos expandir só por expandir. Não somos uma empresa com fins lucrativos e, por isso, queremos construir valor de uma forma complementar. De maneira que, ao colocar de novo, agregue ao que já temos. Esse é um movimento que várias escolas de business estão fazendo no mundo. É uma atitude lógica. Podemos contemplar novos cursos, desde que atendam a essa condição. Não podemos partir para letras ou outros cursos que não combinam com o que ensinamos aqui.
Época: Como que vocês veem hoje o ensino superior no Brasil? É melhor colocar muita gente dentro das universidades e depois pensarmos na qualidade do ensino?
Cláudio: Qualquer momento do mundo em que a pessoa está estudando, está agregando à nossa economia. Se você olhar o ensino privado com fins lucrativos, temos exceções de bom nível. E mesmo os que não têm tanta qualidade, agrega alguma coisa. Mas temos um percentual muito pequeno de alunos que completam o nível superior. Isso porque o problema base do Brasil é a educação básica. Temos uma alta deficiência do ensino básico, identificada nos alunos de ensino médio. Os indicadores apontam uma melhora na educação até a quinta série. Mas no ensino médio esses indicadores estão estagnados. Quando olhamos o número de jovens entre 17 e 24 anos, só 5% tem nível de aprendizagem considerado adequado. Isso é uma tragédia. Assim, não teremos um número de jovens altamente capacitados no ensino superior. Existe uma limitação decorrente daí. Não dá para pensarmos que podemos ter todos os alunos estudando na Insper ou FGV. Não tenho um público hoje com um nível de conhecimento e preparo capaz de passar no processo seletivo e aproveitar um ensino de alta qualidade. É preciso trabalhar em toda essa cadeia.
Época: O ensino que tem se expandido por conta de Prouni e Fies, ajuda a agregar valor à economia do Brasil?
Cláudio: Prouni e Fies são um fator de política pública. Será que o dinheiro que está sendo colocado no Fies está tendo retorno mais adequado comparado com alternativas de gasto do governo? Acho que essa é uma pergunta absolutamente legítima. Talvez o Fies tenha sido generoso demais. Acho que seria bom colocar regras que limitem o acesso. Afinal de contas, é um dinheiro que tem outros usos alternativos em projetos que podem ter também alto retorno social. Melhor do que aquele que o Fies está tendo na margem.
Marcos: Acho que esse é um desafio no debate brasileiro. Não sabemos onde é melhor aplicar o dinheiro público em alguns casos porque não temos avaliação de resultados. Está muito claro que, com as políticas públicas, não temos indicadores. Gastou-se muito ou pouco no Fies? Não sabemos. Qual foi o resultado do Fies para as pessoas? Não sabemos. Você não tem tradição de ter dados e fazer uma avaliação controlada da política pública. Esse é um desafio para o Brasil. As políticas públicas são, muitas vezes, pouco transparentes. Você não tem resultado. Você não tem avaliação de desempenho. Esse é o passo inicial para permitir que se faça uma boa gestão da política pública, fortaleça as áreas que estão funcionando bem e reformule as que não estão funcionando bem. Ou, eventualmente, crie novas políticas que encerrem as que fracassam. Mas como não temos dados, o Brasil acaba com essa característica de país que está sempre inventando política nova. E nunca sabemos o que funcionou e o que não funcionou.
Época: Vocês acreditam que a faculdade é a resposta para todo mundo?
Cláudio: Não. Eu já fui muito entusiasta do projeto tecnólogo, mas infelizmente ainda tem pouco apelo no Brasil. Se nós olharmos a Ásia e a Europa, 50% dos indivíduos com nível superior são chamados de Tipo B, que é um ensino mais voltado para o emprego. É mais curto, mais prático e mais específico. No Brasil, isso seria suprido pelos tecnólogos. Mas infelizmente esse tipo de curso ainda representa uma parcela muito pequena. E não sei até que ponto têm sido efetivos. É um problema, porque às vezes são mais interessantes que um bacharelado, dependendo da carreira. Por serem focados e específicos, podem permitir empregos muito melhores. Precisamos debater mais esse assunto no Brasil.
Época: Quando falamos do ensino médio modelo único, vocês acreditam que enfraquece a educação brasileira?
Marcos: O Brasil tem essa mentalidade de que o ensino médio tem um modelo único. Tem essa caixinha que todo mundo tem de fazer. Se você quiser fazer outra atividade profissionalizante, é adicional ao que se deve fazer. Isso é muito diferente do que o que o resto do mundo faz. Outros países reconhecem que, nessa fase da vida, as pessoas têm vocações diferentes. E permitem o sonho de formações distintas. É assim em países desenvolvidos. É assim a realidade na Ásia e em países europeus. Vou ter uma formação para caminhar para uma universidade tradicional? Ou eu posso caminhar para uma atividade mais profissional? Você tem alternativas. Você tem certa flexibilidade a partir do ensino médio para o aluno poder escolher um caminho de formação que seja mais adequado a si. Nós insistimos em ter o modelo único, é uma dificuldade.
Época: Sobre pós-graduação e MBA. Até que ponto esse tipo de curso é realmente um diferencial?
Cláudio: Qualquer profissional tem que ter o que se chama de “life learning”. Ou seja, tem que continuar aprendendo e obtendo competências à medida que ele vai progredindo na carreira, mesmo porque ele pode ser transferido de uma área para outra. Quando falamos de MBA, é um genérico, tem vários tipos de MBA e várias qualidades diferentes. Principalmente aqui no Brasil, que é uma salada. Qualquer um pode montar um MBA. Então, é preciso ser muito crítico ao que está sendo ensinado, por quem e qual o valor daquilo. É necessário a pessoa fazer o MBA? Diria não. Na vida, conheci várias pessoas que progrediram bem sem MBA. É claro que conheci várias outras que, ao fazer o MBA, deram um salto na carreira. É tudo muito relativo. Mas uma coisa é certa: a pessoa não pode ficar estagnada. Eu diria que é preciso examinar bem os objetivos de aprendizagem. O porquê de aquele programa estar sendo feito, se ele se encaixa no seu momento de carreira. E, em geral, agrega valor sim. Agrega muito valor. Agora, se eu for fazer um MBA só por fazer, em uma escola que não acrescenta muito, aí não vai adiantar nada. Acho que não podemos fazer uma afirmativa genérica.
Fonte: Época Negócios
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