RIO – O Brasil tem cerca de 14 mil políticos e agentes públicos condenados nos tribunais de Justiça que, caso sejam candidatos, devem ser impedidos de disputar as eleições deste ano, que começam neste domingo. Levantamento exclusivo obtido pelo GLOBO junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) permitiu reunir as condenações por improbidade administrativa e por atos previstos na Lei da Ficha Limpa que tornariam os réus inelegíveis para o pleito deste ano.
Juntas, as pessoas envolvidas nos 14.175 processos em que houve condenação nos tribunais regionais federais das cinco regiões, tribunais de Justiça estaduais e Supremo Tribunal Federal (STF) devem pagar à Justiça, entre multas e ressarcimentos, cerca de R$ 3 bilhões em decorrência de infrações criminais cometidas.
– Pode acontecer de uma pessoa ter mais de uma condenação em instâncias jurídicas diferentes, mas que não altera muito o número total de agentes punidos, que fica em torno de 14 mil – explica Clenio Jair Schulze, juiz auxiliar da Presidência do CNJ.
Os dados do Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que implique Inelegibilidade (CNCIAI) mostram ainda que a unidade da federação com o maior número de agentes públicos ou particulares envolvidos nos processos em tribunais estaduais é São Paulo, com 2.903 condenações, seguida do Distrito Federal com 2.515, e do Paraná, com 1.581. O Rio de Janeiro é o 14º colocado, com 170 condenados.
O cadastro é alimentado pelos próprios tribunais com informações de processos transitados em julgado (quando não cabe mais recurso) e com condenações em segunda instância por crimes contra a administração pública e outros que tornam a pessoa inelegível.
O fato de haver um número menor de condenações em estados com população maiores que outros pode significar que existe maior ou menor controle entre as instâncias jurídicas, e até mesmo falhas de juízes que deixaram de alimentar o cadastro nacional. Em Rondônia, por exemplo, o sistema tem 623 nomes, enquanto o do Rio tem 170.
Um acordo firmado na segunda quinzena de junho entre o então presidente do CNJ, Joaquim Barbosa, e representantes dos tribunais de contas dos 26 estados e do Distrito Federal vai permitir o fornecimento de informações sobre decisões de contas de exercícios ou funções públicas rejeitadas por irregularidades consideradas “insanáveis”, hipóteses para tornar qualquer pessoa inelegível pelo período de oito anos. Com isso, o número de pessoas no cadastro deve crescer.
-A importância de um cadastro como esse é divulgar para a sociedade quais são as pessoas potencialmente inelegíveis, para a sociedade fazer esse controle, e também a própria Justiça Eleitoral, que pode indeferir o registro – afirma Schulze.
O Tribunal de Contas da União (TCU) enviou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma lista com 6,6 mil gestores públicos com contas reprovadas. Já o Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) repassou ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ) uma listagem com os nomes de 1.051 gestores públicos que tiveram suas contas rejeitadas entre outubro de 2006 e maio deste ano. A reprovação de contas é uma das hipóteses de enquadramento na Lei da Ficha Limpa. No caso da improbidade administrativa, nem toda condenação implica em ser barrado pela norma.
O TCU, a Corregedoria Nacional de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça, a Corregedoria-Geral da Justiça Federal, o Superior Tribunal Militar e a Corregedoria da Justiça Militar da União já haviam aderido ao termo de cooperação técnica no último mês de março, para designar gestores que irão “acompanhar, gerenciar e administrar a execução do termo”, enquanto as corregedorias dos tribunais deverão verificar a veracidade das informações. Os tribunais deverão atualizar os dados até o dia 10 do mês subsequente ao trânsito em julgado das condenações.
A eleição de 2012 foi a primeira em que a Lei da Ficha Limpa esteve em vigor. Dos 8.051 recursos que chegaram ao TSE relacionados aos pedidos de registros de candidaturas, 3.370 eram sobre a nova norma. O tribunal não tabelou os dados sobre o número de barrados.
– A Lei da Ficha Limpa representou uma grande mudança no cenário político eleitoral brasileiro, pois introduziu novos e rigorosos requisitos para as candidaturas. É bem mais difícil hoje do que antes se tornar um candidato. Só para se ter uma ideia, 1.200 pessoas que tentaram se candidatar nas eleições passadas foram impedidas pela Justiça Eleitoral de participar dos pleitos – conta Marlon Reis, juiz eleitoral que liderou o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) para a criação da lei.
O CNJ criou ainda uma ferramenta em que o cidadão pode colocar o nome do político e saber se ele é potencialmente um ficha-suja. A criação de banco de dados é uma medida para reduzir o tempo de checagem das informações sobre os candidatos. Quando os políticos apresentam o pedido de registro de candidatura, o Ministério Público Eleitoral (MPE) e os partidos têm apenas cinco dias para pedir a impugnação de quem vai concorrer. Um prazo considerado curto por procuradores e promotores. Como geralmente as siglas deixam o registro para a última hora – ontem foi o último dia -, o tempo exíguo dificulta o trabalho do MP.
– O Ministério Público, como os partidos, coligações e candidatos dispõem de um prazo extremamente exíguo para apresentar suas impugnações a candidaturas. Lembro que hoje temos mais de 30 partidos disputando eleições, o que torna muito elevado o número de candidatos. Dessa forma, na prática, é bastante provável que muitos fichas-sujas continuem disputando as eleições, pois não haverá tempo hábil para levantar todas as inelegibilidades – afirmou Sandra Cureau, vice-procuradora-geral eleitoral de julho de 2009 a setembro de 2013.
Além dos números, “O Globo” obteve a lista com os nomes que constam no cadastro. Na listagem do Rio, há nomes como o dos prefeitos de Petrópolis, Rubens Bomtempo (PSB), e Cabo Frio, Alair Corrêa (PP). Aparecem ainda o deputado federal Edson Ezequiel (PMDB) e o ex-prefeito de Magé Charles Cozzolino, além de Waldomiro Diniz, que já foi flagrado pedindo propina ao bicheiro Carlinhos Cachoeira. Waldomiro foi subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil e homem de confiança do então ministro José Dirceu. Foi exonerado em fevereiro de 2004, logo após ter sido acusado de ter recebido propina de bicheiros para a campanha do PT, em 2002.
Tanto Rubens Bomtempo quanto Alair Corrêa tiveram os registros de candidaturas negados pelo TRE-RJ na eleição de 2012, mas recorreram da decisão e foram liberados pelo TSE para assumirem as prefeituras. O deputado Edson Ezequiel já anunciou que não vai concorrer à reeleição este ano.
O juiz Marlon Reis ressalta que a Lei da Ficha Limpa não é a última barreira para impedir que maus políticos e agentes públicos exerçam cargos.
– Há uma forte necessidade de que o eleitor se ocupe cada vez mais do exercício do voto consciente para evitar o voto em relação aquele que conseguiu escapar da Ficha Limpa. Mesmo rigorosa, ela não tem o papel de substituir o eleitor na sua função. Há pessoas que têm práticas erradas, mas não têm condenações criminais da forma exigida pela lei – concluiu.
Fonte: O Globo
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