O jovem brasileiro consegue o primeiro emprego com carteira assinada cada vez mais tarde. Em média, isso só acontece aos 28,6 anos, segundo levantamento da consultoria iDados a partir dos dados de 2017 da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), os mais recentes. A crise econômica dos últimos quatro anos agravou esse quadro. Entre 2006 e 2014, a idade média de ingresso no mercado formal girava em torno de 25 anos.
Segundo especialistas, a alta reflete o desemprego maior que a média do país entre os jovens, o segmento que tem mais dificuldades de conseguir uma vaga e que foi o mais afetado pela recessão. Também reflete uma questão estrutural do mercado de trabalho brasileiro, que historicamente tem nível elevado de ocupados na informalidade.
— Quando a crise veio, em 2015, um número grande de profissionais muito qualificados e experientes foram jogados no desemprego. Como o jovem precisa ser treinado pela empresa para só depois de algum tempo dar resultados, torna-se caro. Ele sofre concorrência desleal desse grupo mais qualificado, que está disponível e aceitando salários mais baixos para se recolocar — avalia Maria Andréia Lameiras, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“Tem horas que bate o desespero. Estou sem perspectivas. Enviei currículos para
várias escolas da minha região, mas ninguém contrata sem experiência”
LUCAS FERREIRA, 25 anos, formado em Letras
Desemprego mais alto
No fim do ano passado, a taxa de desemprego do grupo na faixa etária entre 18 e 24 anos era de 25,2%, segundo o dado mais recente da pesquisa Pnad Contínua do IBGE. No conjunto total de trabalhadores, o índice estava em 11,6%.
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Adriana Carlos, de 42 anos, só conseguiu o primeiro emprego formal quando completou 32 anos e foi contratada como auxiliar de serviços gerais. Ela acredita que a baixa escolaridade — estudou até o 6° ano do ensino fundamental — explica a dificuldade. Acabou demitida em 2016, quando a recessão se aprofundou. Sem conseguir uma nova vaga, a saída foi vender amendoim e coco torrados nas ruas.
— Chego às oito da manhã, saio às oito da noite, e ainda tenho problemas com guardas municipais porque minha barraca não é regularizada. Quero assinar a carteira para ter um emprego seguro e direitos. Continuo entregando currículo, mas nunca tenho retorno — conta a ambulante, que vive na Tijuca, Zona Norte do Rio.
A dificuldade de obter vaga formal também atinge os mais escolarizados. É o caso de Lucas Ferreira, de 25 anos. Formado em Letras pela UFF, ainda tem a carteira em branco.
— Tem horas que bate o desespero. Já estou com 25 anos e sem perspectivas. Enviei currículos para várias escolas da minha região, mas ninguém contrata sem experiência — diz o morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Enquanto não consegue vaga com carteira, Lucas atua como professor voluntário de um pré-vestibular social, para ganhar experiência, e aproveita o tempo cursando uma pós-graduação. Diz que não queria se tornar um “nem-nem” (jovens que não trabalham nem estudam), mas ressalta que isso só foi possível porque conta com os pais:
— Meus pais têm empregos formais e podem me manter. Espero que a pós ajude a turbinar meu currículo.
Impacto na previdência
O atraso da entrada do jovem no mercado prejudica o financiamento da Previdência, já que os brasileiros demoram a começar a contribuir com o INSS. Entre 2012 e 2018, a parcela de jovens de 18 a 24 anos entre os contribuintes caiu de 36,5% para 28,5%, segundo o iDados. A conta inclui trabalhadores dos setores público e privado e autônomos.
A formalização tardia também dificulta a aposentadoria desses trabalhadores, que podem não conseguir o tempo mínimo de contribuição quando atingirem 62 anos (mulher) e 65 anos (homem), idades mínimas previstas na reforma da Previdência que tramita no Congresso.
A proposta eleva de 15 para 20 anos o tempo mínimo de contribuição para o trabalhador se aposentar. Para quem costuma alternar períodos com carteira assinada e na informalidade pode ser difícil atingir o tempo mínimo. Ainda assim, 20 anos de trabalho formal não garantem o benefício integral. Para isso, a reforma prevê 40 anos de contribuição.
— Os dados reforçam a necessidade de o brasileiro planejar a aposentadoria e fazer um esforço contributivo próprio, recolhendo para o INSS mesmo estando na informalidade ou pagando previdência privada — diz o economista da USP Luis Eduardo Afonso.
A aposentadoria preocupa o recém-formado Lucas:
— Já sei que não vou me aposentar, a não ser que pague uma previdência privada.
A ambulante Adriana reclama que não sobra dinheiro para pagar o INSS:
— Somos só meu marido e eu para manter a casa, com um filho adolescente.
O motoboy autônomo Alex Melo, de 27 anos, já trabalhou em bar e no comércio, mas sempre na informalidade. Desde que se tornou entregador de um aplicativo, conseguiu se organizar e esqueceu a carteira assinada. Hoje, divide com a mulher as despesas da casa onde moram no Grajaú, Zona Norte do Rio, e contribui para o INSS como Microempreendedor Individual (MEI).
— Já tive oportunidade (de trabalho formal), mas não quis. Prefiro trabalhar para mim, sem ordem de patrões.
Qualificação é a saída para não perder conhecimento
Governo estuda incentivos à contratação de jovens
Investir em qualificação é a saída ideal apontada por especialistas para os jovens não terem seu capital humano depreciado pela demora para conseguir o primeiro emprego. No entanto, como geralmente demanda investimento financeiro, fazer cursos é uma possibilidade para poucos, ressalta a pesquisadora do iDados e autora do levantamento, Thaís Barcellos:
— Se a pessoa não coloca em prática o que aprendeu na universidade, esse conhecimento se deprecia.
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O sociólogo e diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, alerta para outro efeito que recai sobre essas famílias, o chamado desalento social:
— Muitas famílias pobres se endividam para custear a educação privada dos filhos. Quando o emprego não vem ou é informal, há uma frustração em relação ao investimento feito. Isso causa tristeza, preocupação, e essa sociedade meritocrática ainda culpa, injustamente, o indivíduo.
Como forma de incentivar a contratação de jovens, o governo federal estuda a criação da chamada carteira de trabalho verde e amarela, com menos encargos. A medida, com foco apenas nos jovens, seria um complemento ao novo sistema previdenciário. Com ela, a mão de obra jovem se tornaria mais barata para os empregadores. Por outro lado, esses trabalhadores teriam menos direitos, como férias e décimo terceiro. Também poderiam optar pelo sistema de capitalização, no qual cada trabalhador poupa para a sua própria aposentadoria. No entanto, essas características ainda não foram definidas pela equipe econômica.
Fonte: “O Globo”