O brasileiro deu marcha à ré no consumo de itens básicos no primeiro semestre. Além de ir menos vezes às compras de alimentos, bebidas, artigos de higiene e limpeza, ele está levando um volume 3% menor desses itens cada vez que vai ao supermercado em relação ao mesmo período do ano passado.
“É a primeira vez em cinco anos que o volume médio de compras cai”, afirma Christine Pereira, diretora comercial da Kantar Worldpanel. Ela faz essa afirmação com base na pesquisa da consultoria que visita semanalmente 11,3 mil domicílios em todo o país para monitorar o consumo de uma cesta com 97 categorias de produtos.
Nos últimos tempos, as famílias vinham reduzindo as idas ao supermercado. Mas a retração acabava sendo compensada pelo aumento médio dos volumes adquiridos cada vez que se ia às compras. “Agora essa compensação cessou e pela primeira vez o consumidor andou para trás”, diz Christine.
Com o avanço da inflação, especialmente de tarifas que reduziram a renda do consumidor, e o avanço do desemprego, as famílias cortaram em três vezes as idas às compras. Foi a maneira encontrada para encaixar as despesas no orçamento, que ficou mais apertado por causa da crise.
Alta de preços
A freada no consumo de itens básicos fez o volume total da cesta de produtos monitorada pela consultoria cair 8% no primeiro semestre deste ano comparado ao mesmo período de 2014. Os preços médios dos produtos da cesta aumentaram 9% no período e o valor médio da cesta com volume menor de itens ficou estável, algo também inédito em cinco anos, ressalta Christine. “O consumidor levou para casa uma quantidade menor de produtos pagando mais por eles por causa do avanço da inflação.”
A retração nas compras já apareceu no faturamento dos supermercados. Até julho, o setor acumula queda de 0,20% na receita, descontada a inflação do período, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). “Faz muito tempo que o setor não entrava no vermelho, pelo menos uns dez anos”, calcula o presidente do Conselho Consultivo da Abras, Sussumu Honda. Ele se diz preocupado porque a queda nas vendas é uma tendência e o ano deve fechar com retração na receita ante 2014.
Com a frustração nas vendas, uma vez que a expectativa inicial do setor era crescer 2% este ano – depois revista para 1% -, as redes varejistas tentam dar a volta por cima. A rede de supermercados Coop, com 28 lojas no Estado de São Paulo e faturamento de R$ 2 bilhões, por exemplo, mapeou no segundo semestre do ano passado 17 milhões de cupons fiscais dos clientes para saber quais itens o consumidor mais compra. Descobriu uma cesta com 52 produtos essenciais.
Segundo Cláudia Costa, executiva responsável pela área de inteligência de mercado, a rede focou as negociações com as indústrias de marcas líderes dessa cesta de produtos e conseguiu obter preços até 7% menores em relação aos concorrentes.
A rede Savegnago, com 32 lojas no interior paulista e faturamento bruto de R$ 1,9 bilhão em 2014, é outra que está negociando preços com fornecedores para dar descontos ao consumidor. Nesta quarta-feira, por exemplo, a empresa fez o “Unilever Day” em sua loja online. Com essa promoção conseguiu reduzir os preços dos produtos fabricados pela multinacional em até 33%, segundo Sebastião Edson Savegnago, superintendente da rede.
Outra estratégia usada pela varejista para impulsionar as vendas, também resultado de negociação com fabricantes, é oferecer maior quantidade de produto pelo mesmo preço. São aquelas promoções do tipo “leve 3 e pague 2” ou “leve 25% mais” de determinado produto, exemplifica o executivo.
Concentração
Apesar de o brasileiro estar mais racional nas compras de supermercado de uma maneira geral, o que chama atenção é a lista dos produtos cortados. “Oito produtos responderam por 81% da queda na quantidade comprada no primeiro semestre deste ano”, observa Christine. Entre esses produtos estão itens básicos, como leite pasteurizado, açúcar, água mineral, por exemplo.
Ao contrário de outras crises nas quais as compras de produtos de higiene pessoal não eram reduzidas, desta vez, esses itens também sentiram o impacto do aperto no orçamento. No primeiro semestre, pela primeira vez, a cesta de higiene pessoal recuou 5% em volume ante os mesmos meses de 2014, com destaque para queda nas compras de escova de dente, colônia, antisséptico bucal. Em termos de cesta, a maior retração ocorreu nas bebidas, com queda de 11% no volume, no mesmo período.
Nordeste pesa
O Nordeste, a região “queridinha” dos empresários do varejo nos últimos anos, foi a que mais contribuiu para a queda nos volumes consumidos de alimentos, bebidas e artigos de higiene pessoal e limpeza no primeiro semestre deste ano, segundo pesquisa da Kantar Worldpanel. Entre janeiro e junho, a região respondeu por dois pontos porcentuais da queda de 8% no país.
Na sequência, Lorena reduziu as compras de produtos de limpeza e higiene pessoal. “Antes, comprava dez litros de água sanitária. Agora, são só quatro litros. Diminui pasta de dente, antisséptico bucal, desodorante e escova de dente. Tudo isso fez com quem eu fosse menos vezes ao supermercado. Antes eram duas vezes por semana. Agora é uma vez e no dia das promoções das frutas e verduras.”
Lorena adotou a tática de esconder das crianças os produtos que compra em maiores quantidades. “Se colocamos os produtos ao alcance da vista das crianças, elas querem consumir tudo de uma só vez.”
Ela contou que diminuiu a compra de farinhas para mingau e outros produtos infantis enlatados. “Estou fazendo de tudo para economizar. Cortei o supérfluo e priorizei o essencial”, disse Lorena.
Fonte: Estadão.
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