Nunca fora um grande atleta, mas Brasílio se sentia ainda mais fraco. Não conseguia sustentar o ritmo das passadas e seus tempos na corrida começaram a subir visivelmente. Preocupado, foi procurar a nova médica, que recentemente se instalara nas vizinhanças, em busca de diagnóstico e tratamento.
Dra. Vilma chamou uma junta de especialistas de sua confiança, em especial o dr. Bellezza, e eles decretaram que a queda de desempenho de Brasílio tinha uma causa simples: desnutrição.
O remédio era a dieta do dr. Bellezza: sete refeições ao dia, ricas em carboidratos e gordura, regadas a doses generosas de refrigerantes e finalizadas com sobremesas variadas.
Não era uma opinião compartilhada por todos os especialistas. Boa parte deles considerava que Brasílio já andava meio gordinho e que o problema, na verdade, resultava de insuficiência cardíaca.
Brasílio, porém, nunca gostara de dietas muito rígidas e lembrava bem como, uns anos antes, havia sofrido de desnutrição por causa de uma piora na qualidade da comida importada, que lhe causara fraqueza considerável.
Não havia, é bom que se diga, nenhuma indicação de que a comida importada tivesse sofrido qualquer deterioração visível nesta ocasião, apesar dos alertas estridentes do Dr. Pombini a respeito.
Seja como for, Brasílio embarcou na onda. Com as sete refeições do dr. Bellezza passou a se sentir muito feliz. Sempre gostara de massas, churrascos, doces, refrigerantes e a sensação de consumi-los por ordem médica, sem culpa, era inigualável.
Não houve, porém, qualquer melhora em sua performance. Pelo contrário, os tempos continuaram a piorar, agora acompanhados de fortes dores musculares.
Voltou à dra. Vilma, que, aconselhada pela junta, não apenas manteve o diagnóstico, como reforçou a dose: agora eram nove refeições e os refrigerantes, antes opcionais, passaram a ser obrigatórios.
O desempenho piorou ainda mais e Brasílio chegou a cogitar consultar outro médico, mas a perspectiva de perder a feijoada de quartas e sábados, a picanha nossa de cada dia, os doces à vontade, assim como a alegria advinda da sensação da barriga permanentemente cheia falaram mais alto e ele manteve a dra. Vilma.
[su_quote]Enquanto os charlatões vociferam, Brasílio agoniza, numa maca imunda do Sistema Único de Saúde[/su_quote]
Até que, certo dia, sofreu um colapso. Já não se tratava sequer dos seus tempos na corrida: sua temperatura havia subido, seu peso havia ultrapassado todas as medidas razoáveis (apesar das tentativas da equipe da dra. Vilma de alterar o funcionamento da balança e do termômetro) e o seguro-saúde passou a cobrar prêmios elevadíssimos.
Veio o novo diagnóstico: era mesmo insuficiência cardíaca.
Dra. Vilma colocou a culpa na comida importada (!), mas, mesmo assim, mudou sua equipe, agora chefiada pelo dr. Manoel Cohen, que tentou enquadrar Brasílio numa dieta severa. Cortaram o refrigerante, mas não conseguiram fazê-lo largar dos carboidratos nem da gordura.
Brasílio segue prostrado e os prêmios da seguradora explodiram. Ainda assim, dr. Bellezza e seus asseclas culpam a dieta, mal-e-mal adotada desde o começo do ano, pelos problemas do paciente, aferrados ao diagnóstico de desnutrição, apesar da barriga saliente, e a dra. Vilma ainda resiste aos conselhos do dr. Cohen.
Enquanto os charlatões vociferam, Brasílio agoniza, numa maca imunda do Sistema Único de Saúde.
Fonte: Folha de S. Paulo, 16/9/2015
Sensacional. Me faz lembrar a política de um certo país da república das bananas.