Na quarta-feira da semana passada, em Buenos Aires, despachantes que pretendiam liberar mercadorias importadas toparam com uma exigência inédita no site da Receita Federal daquele país. Tinham de apresentar “cópia certificada de toda a documentação bancária” referente à transação e aguardar, então, a liberação da Receita. A nova regra valia para todo tipo de produtos, incluindo, por exemplo, remédios e perecíveis, e para qualquer país de origem (desta vez, não era apenas contra o Brasil).
Foram todos apanhados de surpresa. A medida não havia sido publicada, nem discutida, nem sequer anunciada. O sujeito ia liberar a mercadoria, já tendo providenciado toda a documentação conhecida, e aparecia essa nova exigência.
Enquanto alguns despachantes corriam para os bancos em busca da tal “cópia certificada” –também lá desconhecida–, cerca de outros 200 se aglomeraram na sede da Receita, conforme relato do jornal La Nación. O que era uma busca de orientação tornou-se um veemente protesto. Poucos funcionários sabiam da nova exigência, muitos, de primeiro escalão, chegaram a negar. E quando as autoridades perceberam que isso havia paralisado todas as importações em curso, anunciaram uma suspensão da regra. Mas ameaçaram: suspensão provisória.
A história foi exemplar. O governo de Cristina Kirchner tem duas preocupações imediatas: conter importações e segurar a saída de dólares.
Foi curioso: os argentinos reelegeram Cristina no primeiro turno e deram a ela ampla maioria no Congresso. Ao mesmo tempo, estavam comprando cada vez mais dólares, num claro sinal de desconfiança em relação à política econômica.
A desconfiança fazia sentido. Mal ganhou as eleições, Cristina baixou decreto que dificulta enorme mente a compra de dólares. Agora, o comprador precisa apresentar um pedido à Receita e mostrar, via declaraçãode renda e outros documentos, que tem dinheiro legal para fazer a aquisição. Deve, também, dizer por que quer os dólares – e aí esperar o sinal verde da Receita.
Diz o governo que se trata de combater a lavagem de dinheiro. Mas, se fosse assim, por que atrapalharam também as pequenas compras?
Notem que os argentinos, de longa data, compram, usam e fazem poupança em dólares. A medida, portanto, tem impacto popular e, por isso mesmo, só foi anunciada após as eleições – embora a compra de moeda americana estivesse aumentando desde muito antes.
Reparem no estilo: o governo não admite sua real preocupação – conter a importação e impedir a fuga de dólares –, pois isso seriaumaespéciede confissão de equívocos. Se as coisas vão tão bem, como diz a presidente Cristina, se a inflação oficial, baixa, é a verdadeira, por que os argentinos não querem a moeda nacional?
De outro lado, compromissos internacionais, especialmente com o Mercosul, limitam o uso de medidas protecionistas. Vai daí, as autoridades dizem em Buenos Aires: protecionismo? Que é isso, pessoal? Trata-se de controlar para evitar fraudes.
Resumo: para bloquear a venda de dólares e limitar a importação, sem dizer que se está fazendo isso, a saída é criar barreiras burocráticas – no que eles são muito bons.
Pior de todos. E por falar em coisas que não funcionam, o Aeroparque, o aeroporto central de Buenos Aires, é pior do que qualquer um dos nossos. Se você acha que a entrega de bagagens em Congonhas é uma perda de tempo, não viu nada.
Aliás,a viagem São Paulo-Buenos Aires é uma demonstração prática de custo Mercosul: atrasa na saída e na chegada.
Tomadas patriotas. Plugues e tomadas brasileiros não servem na Argentina. Lá, eles também usam os três pinos, mas chapados, enquanto os nossos são redondos. Já no Uruguai, que também mudou recentemente, os pinos (e os buraquinhos) são redondos e são três. Mas também não servem para os aparelhos brasileiros, porque os três pinos deles estão em linha. No Brasil, o pino do meio está um tanto abaixo (ou acima, claro) dos outros dois, formando um V suave.
Fico imaginando os burocratas de cada país: a tomada é nossa!
Se nem nisso eles conseguem se entender, os desentendimentos do comércio externo são até
normais, não é mesmo?
Português, não. As companhias aéreas americanas já aprenderam português. Em voos que saem ou chegam às cidades brasileiras, há comissários(as) que falam a nossa língua. E os avisos são dados também em português.
Bom atendimento ao consumidor, não é mesmo? Se os passageiros são brasileiros em grande número – muitas vezes em maioria –, o prestador do serviço tem de atender àqueles que pagam.
Já a companhia chilena Lan não fala português nos voos com destino e chegada no Brasil. Avisos, só em espanhol e em inglês. No voo São Paulo-Buenos Aires da última quinta-feira, comissárias respondiam logo às perguntas de brasileiros: “Português, no”. Só por isso, já estão desrespeitando grande número de clientes pagantes.
Mas tem mais. A Lan está em processo de fusão com a brasileira TAM e será majoritária na nova companhia. Ou seja, será de algum modo uma empresa brasileira, ou talvez com a maior parte de seus negócios no Brasil.
Já estava mais do que na hora de aprender a língua, não é mesmo? Ainda que fosse por boas maneiras.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 14/11/2011
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