Depois de percorrer várias regiões do Brasil em viagens exploratórias, no início do século XIX, o biólogo e naturalista Auguste de Saint-Hilaire retornou à França maravilhado com a biodiversidade do país e apreensivo com a força destrutiva de um inseto, a formiga saúva. Chegou a cunhar a célebre frase: ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil. Se ressuscitasse e retornasse, talvez com um diploma de economista, ao Brasil do século XXI teria facilidades em constatar que a saúva está longe de ser uma grande ameaça. Retornaria à França depois de cunhar uma outra frase: “Ou o Brasil acaba com a burocracia ou a burocracia acaba com o Brasil”.
O repto faz todo sentido. A burocracia continua a ser um dos grandes males da nacionalidade. É ela que continua a prolongar a nossa transição de país em desenvolvimento a grande potência. É uma praga.
Agora mesmo, o jornal “Folha de S. Paulo” nos mostra, em detalhes, uma pesquisa do Banco Mundial que aponta o Brasil como um dos países mais lentos do mundo na abertura de uma empresa, apesar da redução do tempo, em 20%, alcançada nos últimos cinco anos. A pesquisa não diz nada sobre o tempo de fechamento de uma empresa. Se nos mostrasse a realidade, veríamos com certeza que nesse item – fechamento de um negócio – somos simplesmente imbatíveis. Há empreendedores que passam anos a fio sem conseguir fechar o seu empreendimento, tamanha é a incongruência entre os controles internos do negócio e os controles externos, do INSS, por exemplo.
As dificuldades numa e em outra situação derivam de um fenômeno tipicamente brasileiro: o encastelamento nos diferentes escalões oficiais – de todas as instâncias da Federação – de uma mentalidade que é ao mesmo tempo tecnocrática, fiscalista ou tributária. Os escalões governamentais no Brasil ainda estão longe de poder acompanhar um raciocínio estupendamente lógico e moderno: de que a maior liberdade que possa ser concedida ao pequeno empreendedor vai corresponder, na prática, à maior eficácia da arrecadação nos grandes empreendimentos. É caro fiscalizar os pequenos, pela quantidade, pela diversidade. Melhor faríamos se liberássemos os pequenos dessa avassaladora carga tributária, atenuássemos exigências e controles, e centrássemos energias na fiscalização dos grandes.
O nosso drama é que essa lógica, ao que parece, jamais será enxergada pela tecnocracia reinante. Ninguém tem olhos para ver a quantidade de empregos oferecida – ou que pode ser oferecida, numa escala muito maior, se os pequenos empreendedores forem desonerados tanto da carga tributária quanto dos encargos sociais da folha de pagamento – pelos pequenos empresários; ninguém tem olhos para enxergar essa contribuição extraordinária das micros e pequenas empresas em fazer a moeda circular com capilaridade e vigor; ninguém consegue enxergar o papel suplementar dos pequenos na oferta de mercadorias que atenua, ano após ano, a nossa demanda por importação. O olhar prevalente é um só: o pequeno é uma fonte de impostos e, como tal, precisa ser monitorado o tempo inteiro e a burocracia é o instrumento pelo qual mantemos o nosso controle sobre ele – é a garantia de que ele não vai sonegar. Por que demoramos tanto para autorizar o funcionamento de um negócio? Porque as três instâncias da Federação – municipal, estadual e federal – precisam de informações seguras sobre o empreendimento. Por que demoramos tanto para encerrar as atividades de uma empresa? Porque a tecnocracia precisa ser convencida de que não houve sonegação de impostos durante o período em que ela operou.
A idéia da criação de um Ministério para os pequenos também está atravancada no Congresso por excesso de burocracia. E assim vamos, sem nenhuma sensibilidade para perceber que toda burocracia é uma estupidez em si mesma. Quando insistimos nela simplesmente retardamos o passo em direção a um futuro que seria melhor para todos, inclusive para os tecnocratas.
Fato!
Se os pequenos pagassem menos impostos com certeza poderiam estar empregando mais pessoas, estariam crescendo mais e desenvolvendo a nossa economia…