Não há no Brasil um ambiente do qual brotem empresas vencedoras, na velocidade que a economia exige
Disse o ministro de Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, ao anunciar medidas de apoio ao setor de software: “Um setor deste tamanho não poderia continuar sem apoio ou estímulo do governo.”
Poderia, sim.
Tanto que esse mercado já conta com 73 mil empresas, que faturaram algo como R$ 75 bilhões no ano passado, valor expressivo, equivalente a quase 2% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma de tudo que se produz no país).
Software é programa de computador e celular, ferramenta essencial nesta era da tecnologia de informação (TI). Inovação em qualquer setor da economia depende disso. E não há lugar mais propício à invenção do que software e aplicativos. Também dá mais dinheiro.
Microsoft é isso, assim como Facebook e Instagram. Seus inventores não criaram nenhuma máquina, apenas, “apenas!”, algumas ideias bem arrumadas. Mesmo quando há máquinas e aparelhos, o essencial está no software.
Dê uma olhada no seu iPhone ou iPad. Na parte de trás está escrito: “Projetado pela Apple na Califórnia, montado na China.” Já deve ter uns aparelhos por aí com “montado no Brasil” – mas é óbvio que o coração do negócio não está no aparelho.
TI é também um setor de extrema velocidade. Novidades aparecem como que do nada e rapidamente se transformam em coisa grande. Também envelhecem mais depressa ainda.
Tudo considerado, é onde pode se dar toda a história da inovação e do empreendedorismo. A pessoa, jovem talento, quase sempre, bola algo e transforma isso em uma empresa.
O ministro Raupp disse que o governo federal pretende apoiar justamente as startups , companhias inovadoras ainda na fase de partida. Promete gastar aí boa parte dos R$ 500 milhões que pretende aplicar nos próximos três anos. Vai criar “aceleradoras”, espécie de empresa que agrupa startups e as coloca em contato com o mercado.
Com todo respeito, não precisava. Começa que 500 milhões de reais é mixaria. E isso considerando que o ministério vai conseguir gastar tudo, o que é duvidoso, dado o retrospecto do governo federal.
Além disso, a melhor atitude do governo, nesse setor, é sair da frente e deixar que os talentos cresçam e apareçam. Hoje, é difícil. Imagine: a moça talentosa, que passa o tempo bolando novidades em seu computador, chega a algo que pode ir a mercado. Tem que constituir uma empresa, certo?
Pronto, já caiu nas malhas da burocracia. Vai precisar de um advogado e um contador – e dinheiro para pagar as diversas etapas da formalização. A média no Brasil é de 120 dias para constituir a firma.
Suponha que vença essa etapa. Terá que registrar sua ideia, seu software. Uma patente não sai em menos de cinco anos. Já o simples registro de um programa de computador, segundo pessoal do ramo, pode sair mais rápido, mas em não menos que um ano – o que é tempo largo para esse setor. Paga-se uma taxa para o Inpi, Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que é pequena para o software mais simples. Mas para quem não está ganhando nada…
Suponha que nossa moça talentosa venceu também essas etapas. Sua empresa corre agora um grande risco, o trabalhista. Ocorre que, nisso de programa de computador, ninguém trabalha de nove a cinco, batendo ponto. Aliás, quase nunca há escritório comercial, muito menos carteira de trabalho nesse startup . O serviço é mais informal e intenso, sem horário certo, feito em qualquer lugar. Mas vai explicar isso na Justiça do Trabalho, se um colaborador insatisfeito resolver buscar seus direitos.
Mesmo as grandes empresas brasileiras de software colocam esse risco/custo trabalhista como um obstáculo importante para sua expansão e, especialmente, para a exportação e concorrência com importados.
Finalmente, tudo dando certo, ainda falta pagar os impostos municipais, estaduais e federais.
Olhando bem, é um milagre que se tenha um setor de software no Brasil. É mais, porém, um mercado para grandes e médias companhias, capazes de enfrentar as barreiras.
Não há no Brasil um ambiente do qual brotem ideias, programas e empresas vencedoras, na abundância e na velocidade que uma economia deste porte exigiria.
E não é por falta das aceleradoras do ministro Raupp. É por excesso de governo ruim.
Fonte: O Globo, 23/08/2012
No Brasil, ser empresário é ser herói.