O economista francês Thomas Piketty ficou conhecido pelo livro em que analisa o crescimento da desigualdade nos países ricos nos últimas décadas. Em seu último trabalho, ele se aventurou na política. Piketty analisou dados das eleições nos Estados Unidos, França e Reino Unido para tentar entender o avanço recente do populismo.
Piketty constatou que, nesses países, os partidos tradicionais – tanto à direita quanto à esquerda – deixaram de representar a população para fazer eco a demandas e interesses de dois tipos distintos de elite. A direita, aos da elite econômica, em especial do mercado financeiro. A esquerda, aos da elite educada (que ele chama de elite “brâmane”), representada por acadêmicos, jornalistas e cidadãos com nível superior.
A divisão do eleitorado por escolaridade foi nítida tanto no plebiscito do Brexit, no Reino Unido, quanto na eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos. O eleitor sem nível superior foi majoritariamente favorável a ambos, enquanto entre os “brâmanes” a rejeição predominou.
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Assim como para os resultados anteriores sobre a desigualdade, é temerário fazer uma leitura da realidade brasileira nos termos de Piketty de modo acrítico. O Brasil apresenta perfis econômico e educacional bem distintos de europeus e americanos.
Apesar disso, ler a preferência dos eleitores de acordo com tais critérios ajuda a entender os desafios diante dos candidatos a presidente. Quando, espontaneamente, 70% dos eleitores dizem não saber em quem votar ou não querer votar em ninguém, é essencial saber a que estratos pertencem – e como cada candidato tem se saído neles.
Neste post, faço uma leitura da preferência do eleitorado segundo o nível de escolaridade exibido nas últimas pesquisas Datafolha registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Há três motivos para escolher a escolaridade em vez da renda ou nível econômico:
1. O perfil de escolaridade do eleitor é objetivamente fornecido pelo próprio TSE para comparação, enquanto a renda depende de outras pesquisas;
2. Num país como o Brasil, há relação forte entre as duas variáveis (escolaridade e renda);
3.O Datafolha, único grande instituto que tem publicado pesquisas nacionais regulares, divide a escolaridade em apenas três categorias (fundamental, médio e superior), fator que torna o tamanho das amostras mais robusto para extrair conclusões.
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Isso não significa que esta análise encerre a questão. Um trabalho mais completo teria de separar as duas variáveis, mais ou menos como Piketty. Mas ela é suficiente para enxergar limites nas candidaturas e uma distorção na própria metodologia do Datafolha.
A distorção é fácil de entender. O Datafolha usa amostras nacionais que faz corresponder à distribuição dos eleitores por geografia, idade e sexo. Mas não as pondera segundo renda nem grau de instrução. Deriva daí uma distância significativa da amostra para o perfil real do eleitorado.
No caso da escolaridade, a amostra privilegia os eleitores de nível superior e médio. De acordo com os últimos dados do IBGE, 50,9% dos brasileiros com mais de 25 anos têm nível fundamental; 30,2%, nível médio (completo ou incompleto); e 18,9%, nível superior (completo ou incompleto). O levantamento feito pelo TSE nas últimas eleições (com todos os eleitores de mais de 16 anos) apresenta números um pouco diferentes: 51,3%, fundamental; 38%, médio; 10,7%, superior.
As amostras do Datafolha se distanciam bastante desses patamares. Eis os registrados nas três últimas sondagens nacionais: fundamental – 41,6%, 41,8% e 42,3%; médio – 35%, 35% e 34%; superior – 20%, 20% e 21%. Há, portanto, uma concentração maior de eleitores nas duas últimas faixas, beneficiando indiretamente os candidatos cujo eleitorado está concentrado nelas.
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Para efeito de ilustração, o gráfico a seguir exibe a evolução da intenção de voto nos quatro candidatos principais na pesquisa estimulada, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está incluído entre as opções (cenário mais provável). Em seguida, as intenções são apresentadas de acordo com o nível de instrução:
Levando em conta apenas os dados da última pesquisa e os números do TSE, há um contingente de 51,3 milhões de eleitores (entre 144 milhões) de voto ainda indefinido, somando os que escolhem não votar (nulos e brancos) aos que não sabem em quem votar. Desses, 56% têm nível fundamental; 36%, médio; 8% superior – reproduzindo aproximadamente a divisão do eleitorado. Mas a divisão dos eleitores de cada candidato por grau de instrução é diferente, como se vê na tabela abaixo:
A candidatura mais consolidada, do deputado Jair Bolsonaro, tem um perfil distinto das demais. Ele tem mais eleitores nas faixas de maior renda e maior nível educacional. Só que a maioria dos votos indefinidos – aqueles que decidirão a eleição – está justamente naquelas de menor renda e nível educacional. Seu desafio é conquistá-las em maior proporção do que tem feito até agora e superar, nelas, a vantagem dos demais candidatos.
A maior desvantagem da campanha de Bolsonaro é dispor de menos tempo de propaganda gratuita no rádio e na TV, meios de maior penetração entre esses eleitores que as redes sociais. A maior vantagem é o linguajar popular e o discurso ligado a políticas duras na segurança pública, tema que sempre fez sucesso entre os mais pobres e menos instruídos, até que esse eleitorado fosse capturado por Lula e pelo PT. Diante da força eleitoral que Lula ainda demonstra, Bolsonaro conseguirá trazê-lo de volta? Eis a questão central da campanha daqui para frente.
Fonte: “G1”, 18/06/2018