A cada dois dias, uma mulher registra um boletim de ocorrência por assédio na Companhia do Metropolitano (Metrô) e na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Dois em cada três casos (69%) aconteceram nos horários de pico. Dados obtidos pelo Estado, por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que de janeiro a agosto deste ano foram registrados cem casos de assédio sexual. No mesmo período do ano passado, foram 65. Apesar do aumento de 53%, os números podem até ser menores que a realidade, pois muitas não denunciam o assédio.
Entre as vítimas que procuraram a polícia, há mulheres de 11 a 57 anos que relataram ter sido perseguidas, ameaçadas, agredidas, apalpadas e filmadas. Há ainda registro de homens que se masturbaram e ejacularam na roupa das vítimas e até mesmo um caso de estupro.
Além de acontecer em horários de maior circulação e nas linhas com o maior número de passageiros – Azul e Vermelha concentram 84% dos registros –, mesmo acompanhadas, as mulheres não estão seguras. Há relatos de crimes sexuais em que as vítimas estavas com a mãe ou com o marido.
Assediada no dia 15, às 6h30 em uma linha da CPTM, Paula Sionti, de 18 anos, tem o perfil da maioria das vítimas – 65% das mulheres assediadas têm entre 18 e 29 anos. “O vagão estava muito lotado, mal conseguia me mexer e comecei a sentir um homem se esfregando em mim. Ele chegou a passar a mão na minha genitália. Na hora eu travei, não consegui gritar, xingar ou fazer qualquer coisa. Tive medo da reação dele e das outras pessoas”, contou. O agressor não foi identificado.
Segurança da Linha Azul há 13 anos e um dos diretores do sindicato dos metroviários, Caio Peretti estima que a cada dez mulheres que relatam assédio sexual, oito desistem de registrar boletim de ocorrência por não acreditar que o agressor será preso. “Se não conseguimos identificar e localizar o autor para fazer o flagrante, a vítima não registra. É comum as pessoas serem assediadas e nós não conseguirmos (fazer o flagrante) porque falta efetivo”, afirmou. “Acaba não entrando na estatística, mas o número de casos de assédio é muito maior.”
Paula, por exemplo, não entrou para as estatísticas porque não se sentiu segura em procurar ajuda. “Estava com uma calça legging na hora e achei que poderiam dizer que eu era culpada por isso. Lembrei dos casos em que os próprios guardas assediaram as meninas e não me senti segura.” Neste ano, dois agentes da CPTM foram demitidos por assediar passageiras.
Segundo o Metrô, dos 1.200 seguranças, 156 são mulheres, o que é “mais do que suficiente”, segundo a companhia, que assegura haver pelo menos uma mulher em cada estação. Também disse ter 3.900 câmeras espalhadas em 70% dos vagões e em todas as estações, com exceção da Conceição e Jabaquara, da Linha Azul, a mais antiga.
Campeã de registros, a Sé concentrou 19% dos casos deste ano. De acordo com o Metrô, não significa que a estação seja a que tem mais assédios, mas a que concentra o maior número de desembarques.
Luzia Margareth Rago, historiadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que os assédios são sustentados por uma cultura machista, que torna a mulher objeto, e pelo fato de que o autor dificilmente será punido. “Quem assedia dessa forma não quer lisonjear, quer intimidar.”
Em um dos casos registrados neste ano, um homem mostrou o pênis para uma estudante de 23 anos. Ele foi detido por seguranças e se constatou que já tinha outros dois boletins de ocorrência por importunação ofensiva ao pudor – que é a tipificação mais comum, registrada em 86% dos casos. Mesmo assim, o homem foi liberado.
Metrô quer que delegacia da mulher cuide dos casos de assédio
Em reunião com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), o Metrô pediu que os casos de assédio sexual passem a ser registrados na Delegacia da Mulher, e não mais na Delegacia do Metropolitano (Delpom). A ideia é que a vítima de assédio seja atendida por uma equipe especializada em casos assim. Em abril, um delegado da Delpom descreveu em um dos boletins de ocorrência que a vítima “estava trajando uma saia curta”. A SSP não comentou o caso.
Rubens Menezes, chefe do Departamento de Segurança do Metrô, disse que a mudança é pertinente, já que a delegacia da mulher pode oferecer atendimento especializado. No início de setembro, o Metrô distribuiu material de orientação para os funcionários com as formas adequadas de atender as vítimas.
A CPTM informou que entre suas estratégias de segurança estão rondas com agentes, que estão preparados para lidar com situações que “fujam à anormalidade” e identificar suspeitos. Além disso, há 7.100 câmeras e um sistema de denúncia por mensagem de celular. “O sucesso das ações deve-se principalmente ao fato de as vítimas imediatamente denunciarem os molestadores”, disse.
Para psiquiatra forense, agressores sexuais são ‘de ocasião’
O psiquiatra forense Quirino Cordeiro, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, diz que “parte considerável, senão a maioria” dos agressores sexuais de transporte público não são doentes mentais, mas “infratores de ocasião”. Entre os agressores, a maior parte, 38%, tinha mais de 40 anos e 10% eram desempregados.
Segundo Cordeiro, mesmo aqueles diagnosticados com pedofilia, frotteurismo (encoxadores), voyeurismo ou exibicionismo, patologias que podem ser associadas à violência, têm capacidade de autocontrole, portanto, podem e devem ser punidos penalmente.
O álcool e as drogas são substâncias que potencializam o comportamento desinibido e podem ajudar a desencadear o comportamento agressivo.
“Uma linha forte da psiquiatria forense considera que, apesar de quadro de transtorno mental, o agressor consegue se controlar e pode ser responsabilizado”, disse Cordeiro.
Fonte: O Estado de S.Paulo.
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