Com Branquinha no seu encalço, Wilson Braga abre a porta da pequena casa em Santa Cruz, na Zona Oeste. Em minutos, o aposentado já enxuga as lágrimas, observado pela cadela. Dois meses depois, a ausência do filho mais velho — de quem ele e a mulher, Ana Lúcia Braga, ganharam de presente a poodle — ainda atormenta os pais. Rafael da Silva Braga, de 28 anos, foi assassinado em uma tentativa de assalto na Avenida Brasil, em dezembro do ano passado. Motorista de empilhadeira e também de Uber, o rapaz engrossou a lista de vítimas fatais na via expressa, que registra uma morte em situação de violência a cada quatro dias, como o EXTRA revela no último dia da série “O crime passa pela Brasil”.
— É uma falta enorme. Fica difícil falar — desabafa Wilson.
Principal porta de entrada viária para o Rio, a Avenida Brasil deve receber atenção especial da intervenção federal em curso no estado. Enquanto o socorro não se concretiza, o cenário é alarmante. Dos 23 casos de morte violenta registrados no último trimestre de 2017, período analisado pela reportagem, 12 são homicídios por armas de fogo — a maioria corpos abandonados à beira da via, muitas vezes relacionados a disputas entre facções rivais, que dominam as dezenas de favelas que margeiam a Brasil.
Rafael, embora tenha sido baleado na cabeça, entra em outra estatística — a de latrocínios, o roubo seguido de morte. Além dele, três pessoas perderam a vida ao se deparar com ladrões na avenida ao longo dos três meses.
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PMs também são alvos frequentes
A violência que recai sobre a Brasil não poupa nem aqueles que deveriam resguardar a segurança de quem passa pela via. Das 23 mortes, duas foram de cabos da Polícia Militar — um ao tentar evitar um roubo em um shopping na avenida, em Guadalupe, e o outro ao ser abordado por assaltantes no trecho de Parada de Lucas.
Na Brasil também ocorreram, nos três meses analisados, 15 tentativas de homicídios tendo PMs como alvo. Quando adicionados a esse número os dez casos de roubos contra policiais militares, é como se, dia sim dia não, um agente se transformasse ele próprio em vítima dos bandidos na avenida.
Média é de quase um tiroteio por dia
A insegurança na Brasil não atinge só os que se tornam efetivamente vítimas de crimes. Um levantamento feito a pedido do EXTRA pelo serviço Fogo Cruzado, da Anistia Internacional, aponta que houve 332 tiroteios na avenida em 2017.
O número é 153% maior do que a soma dos confrontos nas linhas Amarela e Vermelha no período — 59 e 72, respectivamente. O serviço considera apenas tiroteios ocorridos a até 300m da margem de cada via.
Os disparos, contudo, não são a única ameaça. Em 13 de outubro, uma estudante de 20 anos foi esfaqueada ao ser assaltada numa passarela sobre a Brasil, em Realengo.
‘Os políticos não precisam passar por ali’
Depoimento da agende de educação Ana Lúcia Braga, mãe de Rafael, morto na Avenida Brasil
“No dia em que morreu, meu filho estaria de folga, mas resolveu trabalhar no Uber até tarde porque precisava do dinheiro, tinha acabado de ter uma filhinha. Ele usava o aplicativo no nome do pai, por causa do tempo de carteira. Agora, como se não bastasse todo o resto, meu marido ainda se culpa. Nada é feito: não são os políticos que precisam cruzar a Brasil todos os dias. Na Olimpíada, liberavam o trânsito e usavam batedor. Enquanto isso, eu, que não gosto mais de passar ali, fico sem opção. É a única via expressa para quem mora na Zona Oeste.”
Fonte: “Extra”