Falar de economia nos dias de carnaval é um desafio. O tema ideal precisaria ter tempero de batuque e de Big Brother. Meu assunto desta edição não chega a ser assim um samba, mas poderia render marchinha de rua dos anos 30 do século passado: guerra e indústria bélica. Diversos veículos da imprensa vêm tratando como consumada a decisão do governo federal – ou melhor, do presidente Lula em pessoa – de comprar da França 36 aeronaves supersônicas de altíssimo poder de fogo.
O país, ou seja, nós, os contribuintes, pagaríamos US$ 6,2 bilhões pelos aviões Rafale, mais US$ 4 bilhões em manutenção. O pacote faria a felicidade dos franceses, num momento em que não há exatamente dinheiro sobrando mundo afora e em que qualquer disputa entre fornecedores se torna muito mais acirrada. A força está com os compradores. Isso transformaria o presidente da França, Nicolas Sarkozy, no maior vendedor do mundo, pelo tamanho do “pedido” realizado por nosso Ministério da Defesa.
Mas será que com isso ficaremos mais bem defendidos? O Brasil é um país que tem convivido em harmonia com todos seus vizinhos há mais de um século. Na última vez em que nos vimos em conflito por aqui, a guerra ainda se fazia a cavalo e Santos Dumont nem tinha nascido. O custo da proteção, nesse caso especialmente favorável ao Brasil – graças à boa diplomacia nacional –, tem sido muito inferior ao de países situados em regiões problemáticas do mundo. Os militares brasileiros têm sido até recatados, eu diria, em sua gastança bélica. Essa atitude de respeito ao bolso do contribuinte não é de hoje. Mesmo quando eram donos da caneta, os militares se controlavam no supermercado mundial de armamentos. Será que as atuais condições de segurança do Brasil mudaram tanto assim?
Alega-se, por exemplo, a necessidade de defesa do território marinho do pré-sal, nova descoberta valiosa para o Brasil do futuro. Em que cenário de hostilidades uma força inimiga despejaria seus porta-aviões sobre a costa brasileira para obter alguma vantagem econômica permanente sem sanção internacional? Estaríamos nos transformando em mais uma Venezuela, acossados pela fantasia da iminente invasão ianque? Ou seria justamente da fronteira setentrional que viria a nova ameaça a nossa integridade territorial?
Essas são questões tão complexas e especulativas que os cidadãos de um país normalmente as delegam às escolas militares superiores e às comissões de defesa na Câmara Federal e no Senado. A imprensa tenta repercutir os fatos mais relevantes, entre os quais os custos finais desses jogos de guerra hipotética. O cidadão vai à guerra sempre, pois é quem paga a conta da defesa, mesmo que nenhum tiro seja disparado contra o inimigo. Contudo, o que ficamos sabendo dos orçamentos bélicos e sua justificativa é absolutamente nada. Por quê?
Dadas a pobreza e as contradições da comunicação oficial, o debate público nesse tema tem de se basear no vazamento de informações. Por esses vazamentos, ouvimos que a Aeronáutica preferiria, com base em avaliações técnicas e de relação entre custo e benefício, os aviões suecos. Eles teriam custo menor – compra e manutenção caberiam em um orçamento de metade do francês. Estamos falando de US$ 5 bilhões de diferença a favor de um equipamento que teria pontuado melhor do que o francês nos cinco itens da avaliação dos militares. Se o governo tiver mesmo decidido pelos caças franceses, estará usando uma regrinha do Big Brother, a da “imunidade do líder”, para decidir sem amparo técnico o que seria o interesse nacional.
Acho que estamos virando país desenvolvido porque gastamos muito com supérfluos – coisa de rico – e somos apáticos até em relação ao aspecto folclórico desses episódios. Em outros tempos, neste Carnaval o povo sairia à rua cantando uma marchinha bélica. Algo como Cadê meu Rafale/Será qu’ele vale?/Lula voou de Rafale/Mas eu não vi nem o cheiro/Epa! Cadê meu dinheiro?/Cadê meu dinheiro?
(Publicado em “Época”)
Um país nunca poder ser atacado, mas precisa ser bem defendido.