Não raro, a lei no Brasil vale menos que uma nota de R$ 3. Quando a legalidade cede, a imoralidade cresce e a impunidade reina. Infelizmente, nos últimos anos, entre tramoias baratas e fraudes sofisticadas, muita gente encheu os bolsos de forma ilícita; a farra foi tanta, que sobrou até dinheiro na cueca. O conluio doloso – entre agentes políticos e amigos do poder – subverte o princípio básico do capitalismo concorrencial, fazendo do livre mercado uma mera alavanca do dirigismo estatal para fins de enriquecimento partidário e pessoal. Os fatos estão aí e falam por si sós.
Sem escrúpulos, os gângsteres políticos brasileiros conseguiram a façanha de elevar o negócio milionário da desonestidade pública para a casa do bilhão. Como bem demonstra a Operação Lava-Jato, milhão virou coisa de peixe pequeno; os tubarões nadam em outros mares; para evitar as digitais do ilícito, abrem holdings ou offshores em paraísos fiscais e, mediante um emaranhado de operações financeiras, mandam dinheiro lavado para contas secretas no exterior. Enquanto isso, embriagados por uma alucinante ilicitude sem peias, aguardam a faceira vigência da regra de repatriação de valores para a consumação do plano perfeito.
Infelizmente, o mundo dos valores foi substituído pela lógica das cifras. A riqueza do conhecimento caiu em desuso em uma sociedade mesquinha que mais exalta a embalagem do que a substância da vida. Na busca pelas facilidades do dinheiro, a corrupção passa a ser uma alternativa possível e ainda mais provável em países com instituições frágeis, de baixa eficácia normativa e, consequentemente, com altos índices de impunidade pública e privada.
Nos fundos de pensão, há toda a matéria-prima da corrupção: muito dinheiro, pouca fiscalização e muita influência política. Por assim ser, somente um ingênuo poderia supor que o setor de previdência privada estaria imune ao fel da ilicitude. Naturalmente, é preciso apurar e provar as denúncias dentro de uma pauta de ampla defesa e devido processo legal. No entanto, os prejuízos bilionários que estão sendo verificados em algumas entidades revelam que algo está na estratégia de investimentos. Sem cortinas, o direcionamento de recursos para negócios de interesse do governo expõe como a ingerência política pode resultar em prejuízos astronômicos.
Nos termos da lei, os fundos de pensão deveriam ser entidades autônomas e independentes, movidas por critérios técnicos e guiadas por profissionais que entendam do setor. Todavia, muitos cargos de chefia são preenchidos por voluntariosos paraquedistas, cujo maior mérito é ser próximo daquele que faz a indicação. Com o rompimento do critério meritocrático, a qualidade da gestão resta comprometida, possibilitando a irrigação de interesses nebulosos sobre os imperativos de clareza, lisura e retidão de procedimentos.
Na outra ponta, os participantes, aposentados e pensionistas – razões de ser do sistema de previdência complementar – acabam sendo tratados como um simples passivo contábil, a serem gradativamente dizimados em seus direitos e poder aquisitivo. Após implodir o regime de previdência oficial, o desgoverno institucional agora atinge os fundos de pensão, comprometendo o futuro de milhares de idosos que, durante anos, verteram parte substancial de sua renda para a tranquilidade de uma aposentadoria privada digna e decente. Incompreensivelmente, embora vítimas do desmando administrativo, os inativos já estão sendo alvo de abusivas contribuições extraordinárias, como se pudessem ser avalistas de erros que não são seus.
Por derradeiro, é chegada a hora de repensarmos o próprio papel da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Aliás, como déficits bilionários passaram despercebidos aos olhos da fiscalização? Os dirigentes responsáveis pelos prejuízos foram alvo de medidas sancionatórias e punitivas? A cobrança de contribuições extraordinárias é analisada em seu mérito, regularidade e cabimento ou os processos internos da Previc são de cunho meramente protocolar? Ainda, podem os aposentados e pensionistas ser cobrados sem o devido processo administrativo individual, violando-se o dever de plena informação, ampla defesa e contraditório? Terão os fundos de pensão o poder de reter arbitrariamente as contribuições na fonte, estabelecendo uma inconstitucional penhora sumária sobre valores de finalidade alimentar?
Como se vê, as perguntas são muitas e poderiam seguir ao infinito. O fato é que chegou a hora de abrirmos a caixa-preta dos fundos de pensão brasileiros, pois, como bem disse o magistrado americano Louis Brandeis, “a luz do sol é o melhor desinfetante”. Ou a sujeira é tanta que precisará limpar com creolina?
Fonte: O Estado de Minas, 23/02/2016.
No Comment! Be the first one.