O governo federal havia sancionado reajustes salariais para diversas categorias do setor público um pouco antes das renegociações das dívidas estaduais. Como esperar que o funcionalismo público estadual e os governadores pratiquem o que o governo federal prega para os outros, mas que ele próprio não faz? Por que o congelamento dos salários foi proposto apenas para o funcionalismo público estadual?
Desindexar as folhas salariais da inflação passada seria uma exigência da crítica situação das finanças públicas. Reajustes com base nas estimativas de inflação futura quebram a inércia inflacionária e desaceleram os gastos públicos, permitindo a reversão de expectativas adversas. A proposta do teto dos gastos públicos seria tecnicamente superior se tivesse como referência a própria meta de inflação do Banco Central, considerando os efeitos de uma inflação prospectiva (mais baixa) sobre os salários, e não simplesmente a inflação passada (mais alta) como referência para reajustes.
O funcionalismo público desfruta de estabilidade no emprego, planos de saúde e benefícios de aposentadoria, enquanto o desemprego em massa atinge milhões de trabalhadores do setor privado. A falta de perspectiva de um pacto federativo torna as instâncias públicas regionais intolerantes às propostas de maiores controles federais sobre suas despesas. A proposta de uma reforma fiscal descentralizando recursos para estados e municípios recrutaria apoio parlamentar para o necessário enxugamento de uma hipertrofiada engrenagem administrativa do governo central, semeada pelo regime militar e cultivada pela demagogia e pela corrupção.
Em duas semanas, não haverá mais o pretexto da interinidade para o adiamento das necessárias reformas. Não há boa política sem bons fundamentos morais. E não há economia saudável sem bons fundamentos fiscais. Não tenho dúvida de que vamos melhorar institucionalmente em ambas as dimensões. Mas tenho dúvida de que nossos governantes tenham percebido que os riscos do gradualismo na economia e na política são hoje muito maiores — e os benefícios muito menores — do que seriam os riscos e benefícios de uma verdadeira mudança de regime. Ironicamente, apenas uma ruptura com as práticas atuais traria imediatos e duradouros dividendos políticos.
Fonte: “O Globo”, 15 de agosto de 2016.
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