Há substantivos que dispensam adjetivos para realçar o que enunciam. Tragédia é um deles. Diante de uma tragédia, tudo o que se disser é ocioso. Não precisa do socorro da adjetivação para agravar seu significado. De modo que, para sublinhar uma tragédia, pode-se dizer quase tudo em poucas palavras. É nessa situação que me encontro diante da sugestão que recebo da Redação de “Zero Hora” no sentido de trocar o artigo entregue ao jornal na sexta-feira, como de costume, por outro que se aproxime do luto que domina a edição funérea em tudo e por tudo.
Sinto-me despojado de qualquer elemento que me possa explicar o acontecimento, mas, em verdade, ele não tem explicação, nem essa seria consolo para ninguém. A tragédia não se explica, não tem lógica nem desfecho aceitável. Dela fico com a surpresa que no caso é vizinha do terror. Refugio-me em velhas lembranças e me lembro da cidade cujas ruas percorri tantas vezes em diversas cruzadas. Dos amigos desaparecidos, por todos Alberto Tomás Londero, cidadão, professor, cientista. De sua catedral, cujos silêncios tantas vezes ouvi. De sua gente, da cidade universitária por excelência que atraía crescente e variada população jovem, principalmente jovem. Nada sei sobre o local, mas verifico se tratava de uma festa onde reinavam a alegria, a música, a dança. Mais não sei. E me ocorre um fato que me tem impressionado: a violência que se filtra e infiltra nas situações menos compatíveis com ela. O canto, a música, a dança cheiram a antítese do que a ela se relaciona. O ritmo da música, o ríctus das faces, o marcial dos movimentos traduzem fenômeno a espelhar a desordem das emoções sentidas e externadas em desalinho. Não sei se devera mencionar isso, mas por uma associação de ideias repercutiram em meu espírito como ressoa na tristeza dos meus dias tristes.
A brutalidade do ocorrido em uma casa de espetáculos na noite de sábado se me apresenta como uma camada de cinza que apagou de repente o alarido de um bando de moças e rapazes, reduzindo-os ao silêncio definitivo para tantos que apenas madrugavam para as aventuras e desventuras da vida. Do que era promessa, resta o luto. O infortúnio foi tão inesperado, que imagino a mágoa a incorporar-se à antiga alacridade da vida universitária. Contudo, a vida continua em sua implacável sucessão de alegrias e tristezas, mas as marcas desse momento nunca serão esquecidas para a cidade. Mas Santa Maria é um universo e dentro dele existem e sobrevivem algumas pessoas. De cada uma delas eu me lembro, embora não as conheça pessoalmente. São os pais que não ouvirão mais as vozes de seus filhos, nem verão o brilho dos seus olhos.
Quando falo em pais, englobo todos os que – pais, avós, irmãos, namorados, noivos, amigos – formam o universo afetivo que acompanha cada um de nós.
Fonte: Zero Hora, 28/01/2013
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