BRASÍLIA – A Câmara aprovou nesta terça-feira, 13, um projeto que impõe barreiras ao pagamento de “supersalários” recebidos pelo funcionalismo público, incluindo servidores do Judiciário. O texto estabelece limitação a privilégios historicamente repassados a uma elite de servidores, que gozam de condições incompatíveis com a realidade dos demais trabalhadores do País. O projeto também alcança civis e militares dos três Poderes.
Hoje, embora exista um teto remuneratório equivalente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de R$ 39,2 mil, esse patamar costuma ser “fictício”, porque os vencimentos abrangem “penduricalhos”, como auxílio-livro, auxílio-moradia e auxílio-banda larga e tantos outros, fazendo com que os ganhos mensais estourem o teto. São esses benefícios que foram atacados no projeto aprovado nesta terça-feira.
O texto, que foi alterado na Câmara, será novamente apreciado pelo Senado. Caso seja aprovado sem alterações e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, as regras passam a valer imediatamente.
Em todo o País, são mais de 500 tipos de benefícios concedidos a servidores. Após sanção, apenas 32 poderão superar o limite constitucional. As mudanças estipulam, por exemplo, que o auxílio-creche poderá ter valor de até 3% do salário máximo pago a um servidor, o que equivale a R$ 1,178 mil. Foi ainda limitada a “venda” de férias a 30 dias por exercício. A medida atinge em especial magistrados e integrantes do Ministério Público que têm direito a 60 dias de férias e recebiam o adicional de férias nos dois períodos.
O auxílio-moradia, muito utilizado em Brasília, por exemplo, poderá ultrapassar o teto, desde que siga regras como ser concedido quando o servidor é obrigado a se mudar de cidade por causa do trabalho. A matéria também aplica uma “trava” para alguns benefícios, como o auxílio-alimentação, que poderá exceder o teto, mas em valor limitado a, no máximo, 3% do salário do servidor.
As verbas de natureza indenizatória, grosso modo, que não são o salário em si, não sofrem descontos, mesmo quando a soma dos ganhos ultrapassa o teto. Ao longo dos anos, representações de servidores trabalharam para que benefícios desse tipo fossem incorporados. São um caminho para aumentar os pagamentos sem descumprir legislações. O projeto mexe justamente nessas condições.
Os casos de “supersalários” Brasil afora são muitos. É um tema recorrente nos âmbitos estadual e federal do Poder Judiciário. Em 24 Estados, juízes recebem por mês mais de R$ 1 mil de vale-refeição. Em Pernambuco, o valor chega a R$ 4,7 mil – o montante supera o dobro da renda média do brasileiro.
Casos
Em uma nota técnica sobre o projeto aprovado na Câmara, o Centro de Liderança Pública listou outros casos emblemáticos de remunerações extra-teto. Entre eles, os R$ 543 milhões pagos a juízes e procuradores como benefícios durante a pandemia, o fato de uma juíza de Pernambuco ter recebido R$ 1,3 milhão em 2019 e, ainda, o caso de um juiz de Minas Gerais que ganhou mais de R$ 700 mil somente com verbas indenizatórias.
O texto aprovado na Câmara traz uma lista do que pode ser classificado como verba indenizatória e pode ser pago sem prejuízo do teto remuneratório. O que estiver fora dessa lista, deve ser pago com desconto para que o limite seja respeitado.
Jetons
Ficam liberados da observância ao limite pagamentos como o adicional de férias de até um terço do salário, décimo terceiro salário, adicional noturno, adicional de insalubridade, entre outros. Entre as remunerações que passarão a ser consideradas para cálculo do teto, estão os “jetons”, como são chamadas as participações de ministros e servidores em conselhos de empresa pública. Hoje, o pagamento devido por essa participação em reuniões soma-se integralmente aos salários.
Estarão ainda sujeitos ao limite salarial do ministro do STF os “honorários de sucumbência”, verbas repassadas a algumas categorias de servidores por produtividade em processos judiciais. As mudanças também afetam pagamentos a promotores de Justiça, defensores públicos e juízes de Direito.
Para o relator da proposta, deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), o projeto combate os abusos contra o erário. “Quem é que admite privilégios? Não é o funcionalismo público. São grupos que atuam no serviço público e que tiram proveitos daquilo que a Constituição deixava como margem porque não havia sido regulamentado até agora por lei”, disse ele.
Segundo Bueno, ao se tornar lei, o projeto trará economia de R$ 3 bilhões por ano. O CLP considera que aproximadamente 25 mil servidores públicos tenham ganhos acima do teto. “Não é possível mais admitir que, por meio centenas de penduricalhos, uma pequena casta chegue a receber salários de mais de R$ 100 mil por mês. Barramos centenas desses auxílios, que agora não podem mais fazer com que os salários ultrapassem o teto”, disse Bueno.
ENTENDA O QUE MUDA NOS SUPERSALÁRIOS
– Haverá corte no auxílio-moradia de autoridades, honorários passíveis de abate teto e desconto de salários extras de ministros e servidores que fazem parte de conselhos de empresas públicas.
– O projeto coloca travas no pagamento de verbas indenizatórias, que não são sujeitas ao abate teto.
Fica estabelecido que todas as rubricas não listadas, o que inclui centenas dos chamados “penduricalhos”, serão passíveis de corte à medida que ultrapassarem o teto.
– O projeto ainda limita a “venda” do 1/3 de férias a apenas um período de férias, o que corresponde a 30 dias. A medida atinge em especial magistrados e integrantes do Ministério Público, que têm direito a 60 dias de férias e recebiam o adicional de férias nos dois períodos.
– Honorários de sucumbência, venda de férias acima de 30 dias (Judiciário e MP tem 60 dias de férias e maioria dos membros vende mais de 30), jetons (exemplo: ministros e servidores que recebem para fazer parte de conselhos de estatais dependentes do governo), entre outras rubricas.
Como é o teto salarial é hoje?
– A Constituição determina um limite para o pagamento de salários no serviço público. Em âmbito federal esse teto é R$ 39,3 mil. Porém, os critérios de pagamento hoje se encontram dispersos, dando margem a “penduricalhos”.
O que muda com o projeto?
O PL unifica o entendimento do que entra e o que sai do teto do serviço público, baseado no que manda a Constituição:
“Art. 37 – § 11. Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei.”
Para cumprir essa finalidade, são identificadas parcelas que, por serem classificadas como indenizatórias, poderão ser pagas sem observância do limite remuneratório. Fora dessa lista, será aplicado o corte. A economia com essa medida ultrapassa R$ 3 bilhões/ano.
O que o PL faz?
– São discriminados os agentes públicos cuja retribuição é alcançada pela futura lei. Entra presidente da República, deputados, senadores, governadores, prefeitos, magistrados e servidores em geral.
– Promove-se a enumeração de parcelas remuneratórias que não se submetem ao limite constitucional por serem consideradas indenizatórias.
– Estabelecidas as parcelas consideradas indenizatórias, são introduzidas travas com o objetivo de evitar medidas oportunistas de burlar o teto.
– Determina-se que qualquer parcela remuneratória não contemplada na relação será submetida ao limite constitucional.
– O substitutivo também introduz pena de 2 a 6 anos para quem fizer o pagamento de parcela remuneratória em desacordo com o disposto na futura lei.
Fonte: “Estadão”, 13/07/2021
Foto: Pablo Valadares / Agência Câmara