A Câmara dos Deputados deve colocar em votação nesta quarta-feira o projeto de lei que atualiza o marco regulatório do saneamento. A proposta abre espaço para uma entrada maior de empresas privadas no setor, hoje majoritariamente operado por estatais, e também estabelece metas de universalização dos serviços de água e esgoto no país. Hoje, cerca metade da população brasileira não tem esgoto tratado.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vem encampando o tema pessoalmente, e afirmou nesta terça-feira que é preciso cuidado para não “jogar fora” o texto construído pelo Congresso nos últimos meses.
– A minha prioridade sem dúvida nenhuma é o saneamento, mas a prioridade tem que se transformar em maioria. Acho que tem uma boa maioria, mas a gente tem que ter conforto para aprovar um projeto que vá ao encontro do sonho de 100 milhões de brasileiros que não têm esgoto hoje. Tem que trabalhar com cuidado pra gente não jogar fora o trabalho de quatro, cinco meses aqui na casa – disse Maia.
Não é a primeira vez que se tenta avançar com o tema na casa. No ano passado, ainda durante o governo de Michel Temer, duas medidas provisórias que atualizavam o marco legal do saneamento perderam a validade por não terem sido votadas em tempo.
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Em pauta, o texto relatado pelo deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), a partir de um projeto de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), quer proibir a assinatura de novos contratos de programa, aqueles firmados entre estatais de saneamento e municípios sem licitação. A modalidade é amplamente adotada no país e, na prática, dá preferência às estatais na concessão dos serviços. O objetivo agora é colocar em concorrência estatais e empresas privadas – e elevar a qualidade dos serviços prestados.
Ainda assim, o texto abre uma brecha para que contratos desse tipo hoje em vigor sejam renovados: pela proposta, as estatais de saneamento terão uma janela de 12 meses para renová-los por um período de até 30 anos – tempo que, em geral, esse tipo de contrato dura. Mas a oposição quer alargar esse período de transição.
O deputado Fernando Monteiro (PP-PE) propõe que a brecha seja de 30 meses. A posição também é defendida pela Aesbe, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento.
– O contrato de programa não é fim do mundo, apenas mais uma opção para os prefeitos. A transição de 12 meses, sendo o ano que vem ano eleitoral, não é possível. Eu sugeri 30 meses – disse ao GLOBO.
O prazo de universalização dos serviços também é alvo de discordâncias. Pela proposta, o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% com coleta e tratamento de esgoto deverá estar garantido até 2033, como preconiza o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), de 2007.
A oposição também quer flexibilizar este ponto, e defende que a meta fique para 2040. Mas o texto de Geninho já prevê essa possibilidade em alguns casos. Pela proposta, poderão ter o prazo de universalização estendido as empresas que conseguirem provar não ter capacidade econômico-financeira de cumpri-lo até 2033 – e a extensão precisará ser validada pela agência reguladora local.
De acordo com Marcus Vinicius Fernandes, presidente da Aesbe, a extensão do prazo se faz necessária já que 2020 é ano de eleição – e as licitações não poderão ocorrer no segundo semestre do ano.
– Ano que vem tem eleição, então haverá dificuldade do município licitar o processo, ainda mais com investimentos que são altos, e que precisam ser amortizados ao longo do tempo – afirma.
Na visão do relator e do governo, porém, é a rigidez das metas e a abertura aos agentes privados que trarão eficiência e qualidade para o setor, permitindo que os serviços de água e esgoto estejam próximos à universalização dentro de catorze anos. Atualmente, o setor privado responde por apenas 6% da operação do saneamento no país.
Para o secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia, Diogo MacCord, não há razão técnica para estender o prazo de cumprimento da meta, nem a janela de renovação dos contratados não licitados.
– O ideal é não ter janela, e o texto já fez uma concessão de 12 meses. A discussão agora é puramente política. Abrir uma janela de mais um ano não empurra o problema por mais um ano, mas por mais trinta (tempo de duração dos contratos).
O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem afirmando que a mudança é uma das mais importantes reformas na agenda do país, capaz de atrair “centenas de milhões em investimento” do setor privado. A expectativa é que a mudança no marco regulatório atraia investimentos privados da ordem de R$ 700 bilhões.
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“É ideal para o Brasil porque estamos sem recurso. O estado brasileiro está quebrado. Com essa lei, em cinco ou seis anos acaba o problema do saneamento básico no Brasil”, afirmou Guedes em entrevista recente ao GLOBO.
A Abcon, que reúne as concessionárias privadas de saneamento, avalia que aprovação do projeto de lei agora depende diretamente da flexibilização do prazo das metas e da janela de renovação dos contratos de programa.
– A renovação do contrato de programa claro que não é o ideal, perdura uma situação que não é boa e que já não mostrou resultado. É uma concessão que vai atrasar um pouco mais o processo. Mas a gente entende que o período de transição é um preço a ser pago para aprovar (o projeto de lei) – afirma Percy Soares, diretor da Abcon.
O projeto também prevê o estabelecimento de parcerias público-privada (PPPs) ou subdelegações – quando uma parte do serviço da estatal é transferida a uma empresa privada – de até 25%. O texto de Zuliani prevê ainda que vários municípios se reúnam em bloco para um contrato de saneamento, constituindo o que se chama de “prestação regionalizada”. O objetivo é garantir que cidades pequenas e pouco atrativas às empresas não sejam deixadas de lado nas licitações.
Fonte: “O Globo”