O movimento para diluir a reforma da Previdência parece irresistível. O projeto que deverá emergir da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara estará a léguas de distância da economia de U$ 1,1 trilhão em dez anos, apresentada e defendida pelo ministro Paulo Guedes.
Na falta de uma ação determinada da Presidência para defender o projeto original, a pressão de grupos interessados tomou conta da tramitação. A primeira derrota do governo ocorreu no plano simbólico.
A narrativa falsa de que a reforma prejudica os mais pobres, disseminada em campanhas de sindicatos e associações de servidores públicos, tem sobrepujado a defesa dela como necessidade de combater os privilégios do funcionalismo.
Não ajudou nada a proposta sofrível encaminhada para os militares, grupo que mais custa aos cofres públicos em termos proporcionais. Com a adição oportunista de uma reforma na carreira militar, ela basicamente não traz economia nenhuma ao país.
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Diante do vácuo na articulação política do governo, os grupos de pressão se fazem sentir. Duas das principais mudanças previstas no texto já são consideradas mortas: as novas regras para a aposentadoria rural e para o benefício assistencial concedido a idosos e deficientes, conhecido como Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Mas as mudanças não devem parar por aí. Haverá emendas sugerindo alteração na idade mínima de aposentadoria (responsável pela maior parte das economias projetadas) e nas novas alíquotas de contribuição previstas para o funcionalismo (trecho responsável pela maior redistribuição de renda).
O objetivo de mais de três dezenas de associações de servidores é acabar com as alíquotas mais altas, em especial a faixa de contribuição de 22%, que atinge apenas funcionários públicos com salários mais altos, pertencentes à parcela mais rica da população (cálculos do jornal O Estado de S. Paulo mostram que só 1.142 do 1,4 milhão de servidores públicos pagariam essa alíquota).
Outro alvo dos servidores é a mudança que exige idade mínima para os funcionários que entraram no serviço público antes de 2003 usufruírem a escandalosa aposentadoria integral que a lei ainda lhes garante. Querem, sobretudo juízes e procuradores, manter o privilégio de aposentar-se por tempo de contribuição com salário integral.
Há, enfim, uma revolta contra a transferência das futuras mudanças previdenciárias à lei ordinária, mais fácil de alterar. O objetivo das associações de funcionários é manter gravados na Constituição todos os privilégios. Contam, para isso, com o apoio de 13 partidos, também contrários às mudanças no BPC e na aposentadoria rural.
Qual será o resultado de todas essas pressões? O Planalto se afastou estrategicamente do debate no Parlamento, de modo a tentar dissociar-se da imagem negativa da reforma. O presidente Jair Bolsonaro voltou a afirmar ontem em Israel que “não quer se meter”.
Sem a ação determinada do Executivo para organizar sua base de apoio, o governo parece acreditar que a pressão popular ou campanhas nas redes sociais serão capazes de garantir a aprovação da reforma. A questão é: que reforma?
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Diluído a ponto de ficar irreconhecível, o texto final poderá representar um desgaste político enorme para ganhos financeiros irrisórios. Mais que isso, os pontos centrais que tornam a reforma de Guedes melhor que a do governo anterior – como a imposição de custos maiores aos mais ricos – são os mais ameaçados pela pressão.
Só a torcida não basta para garantir a sobrevivência de um texto capaz de garantir o equilíbrio orçamentário. É preciso o envolvimento do próprio presidente para garantir os votos no Congresso. É essa, por sinal, a essência do trabalho de um presidente da República. Se fracassar na Previdência, Bolsonaro fracassará em todo o resto. Depois, não adiantará pôr a culpa nos outros.
Fonte: “G1”, 02/04/2019