Além de discutirem a retirada de itens como o armazenamento de registros de mensagens que alcancem pelo menos mil usuários, deputados querem acrescentar ao projeto das fake news, aprovado no Senado há duas semanas, um ponto não contemplado no texto endossado pelos senadores: o enquadramento criminal dos responsáveis por financiar e disseminar conteúdos falsos. A proposta começou a ser analisado ontem na Câmara, quando ocorreu a primeira de uma série de dez audiências públicas sobre o assunto.
A alteração em debate é uma tentativa de incluir na proposta a possibilidade de “seguir o dinheiro” e punir, sob o ponto de vista penal, os envolvidos em estruturas de distribuição de mentiras nas redes sociais e aplicativos de mensagem. A proposta é criar uma pena de um a cinco anos de prisão e multa para quem vender, comprar, usar ou financiar serviços de robôs e de disparo de mensagens em massa sem consentimento dos destinatários. A punição seria aumentada em um sexto, caso fosse cometida por servidor público.
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Cotado para a relatoria do texto, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) é um dos participantes na discussão e defende o endurecimento do projeto. O parlamentar, que tem uma alternativa pronta em mãos, propõe a criação de um capítulo sobre crimes. Seria punido com um a cinco anos de reclusão e multa quem “vender, adquirir, empregar ou disponibilizar ao público” aplicações e dispositivos que permitam disparo de mensagens em massa sem prévia anuência dos destinatários.
A mesma punição seria destinada para os responsáveis por “aplicações e serviços alheios às funcionalidades oferecidas pelas redes sociais e que nelas operem com o objetivo de falsear a percepção do público a respeito do engajamento ou da popularidade de conteúdos na internet”. Os robôs seriam enquadrados nesse último item. Para o deputado, a proposta chegou com uma lacuna do Senado.
— Nós temos que elaborar um tipo penal definindo bem toda a engenharia das fake news — afirmou Silva.
Para o parlamentar, os alvos devem ser as “estruturas criminosas” por trás das fake news, não os usuários que compartilham mensagens sem saber que se trata de informação falsa.
— Não estou falando aqui de uma pessoa que individualmente facilita a propagação de uma mensagem. Estou falando de uma estrutura criminosa que é nutrida por interesses escusos e que faz a propagação de desinformação em escala industrial. Estou falando de quadrilhas que estão sendo investigadas — disse Silva.
No Senado, o relator do texto, Angelo Coronel (PSD-BA), havia incluído a tipificação de novos crimes, mas retirou esses pontos para “não deixar o projeto mais polêmico”.
A ideia já foi defendida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em entrevistas, ele afirmou que responsabilizar propagadores de notícias falsas é proteger o regime democrático. Entre os deputados, tem ganhado força o entendimento de que é necessário criar no projeto mecanismos que identifiquem de onde vem o financiamento da propagação de fake news.
Na abertura do ciclo de audiências públicas, ontem, Maia afirmou que as discussões devem contribuir para a elaboração de um texto final “melhor” que o do Senado.
— Eu tenho certeza que os parlamentares aqui, junto com a sociedade, vão conseguir chegar num texto que garanta as liberdades de cada cidadão, mas que organize o tema para que aqueles que usam (as redes sociais) de forma indevida possam ter a sua punição. Acredito que esse debate será importante para que a Câmara possa construir um texto ainda melhor do que aquele construído pelo Senado Federal — afirmou Maia.
A rastreabilidade das mensagens enviadas em massa por aplicativos como WhatsApp e Telegram foi um dos assuntos mais discutidos pelos participantes da audiência. Pela proposta atual, os serviços teriam que guardar, pelo prazo de três meses, os registros dos envios de mensagens enviadas para grupos de conversas e listas de transmissão por mais de cinco usuários em um período de 15 dias que forem recebidas por mais de mil usuários.
— Da forma que está, propondo rastrear todo mundo, todas as mensagens, me parece que é um potencial muito grande de inconstitucionalidade. Com isso, a gente diminui a democracia, a gente diminui a participação democrática porque todos nós vamos ter que pensar duas vezes antes de encaminhar algum tipo de mensagem — argumentou Laura Schertel, professora de Direito Civil na Universidade de Brasília (UnB).
Na Câmara se discute mudanças ou a retirada total do artigo que determina o armazenamento dos registros das mensagens que alcancem mil usuários. Um grupo de parlamentares avalia que o texto aprovado pelo Senado indica uma previsão “muito ampla” para a manutenção dos registros nos servidores.
Também há entre os deputados quem defenda a retirada do item que estipula a criação de um mecanismo de direitos de resposta. Neste caso, teria que ser garantido o direito de que a mensagem em resposta tivesse o mesmo alcance da mensagem original. Parlamentares avaliam que o modelo criaria uma “guerra de direitos de resposta”.
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Código de conduta
Represantes de entidades também já criticaram o trecho do projeto que prevê aos usuários a obrigação de apresentar documentos que provem suas identidades, caso isso seja solicitado pelas redes sociais.
Outro item que os deputados também discutem alterar no projeto é o que dá ao Conselho de Transparência e Responsabilidade da Internet a missão de elaborar um código de conduta para redes sociais e aplicativos de mensagens. A medida é vista como uma brecha para proibir certos tipos de conteúdo nos sites.
Deputados também devem suprimir o artigo que determina que, “em caso de denúncias” ou de ordem judicial, as plataformas poderão pedir aos usuários documentos de identidade. O tema já gerou controvérsia no Senado, mas teve o apoio da maioria e foi aprovado.
Fonte: “O Globo”