Vivemos tempos difíceis: recessão de 4% ano passado e chances altas de piora esse ano, inflação altíssima e resistente, dívida pública crescendo de forma acelerada, desemprego caminhando para dois dígitos, incertezas políticas e uma profunda falta de esperança de que poderemos sair dessa situação no médio prazo.
Não há mais horizonte no Brasil, não sabemos quando a economia vai parar de piorar e muito menos quando será possível retomarmos ao padrão de vida de cinco ou dez anos atrás. Com exceção das empresas exportadoras e dos indivíduos que optaram por estar dolarizados pós-eleições, o brasileiro está mais pobre.
Mesmo que o governo venha a implementar novamente uma política de estímulo ao crédito, o resultado será inócuo. Não há mais dinheiro que possa ser criado artificialmente na crise fiscal atual e não há mais uma China crescendo a taxas exorbitantes, capaz de fazer as commodities que exportamos voltarem aos patamares passados.
Não precisava ser assim. Se tivéssemos poupado nos tempos de bonança, poderíamos estar amenizando o mal-estar atual. Confiamos na permanência do boom de commodities, investimos pouco e estimulamos o consumo via política fiscal e parafiscal de forma desenfreada. O Fundo Soberano do Brasil é um exemplo clássico da falta de vontade de poupar.
Criado em 2008, sua função era formar uma poupança pública, que poderia ser usada para combater os efeitos de eventuais crises econômicas. Mesmo tendo patrimônio modesto em comparação com os demais fundos soberanos, o nosso fundo nunca teve estratégia clara de gestão. Investiu em ações de estatais e bancos públicos e acabou sendo usado em 2015 para ajudar a tornar menos pior o déficit primário.
Ou seja, a ideia de se formar uma poupança foi na verdade transvertida em “investimentos” que sustentaram a política de expansão fiscal e o intervencionismo do governo. O que sobrou do fundo foi gasto para amenizar uma conta furada.
O resultado da falta de poupança e do crescimento excessivo dos gastos se reflete na dívida pública. Não é difícil argumentar que com uma dívida bruta caminhando para 80%, com um PIB potencial indo para menos de 1%, e com a taxa de juro real próxima a 8%, estamos numa trajetória insustentável.
Qualquer cidadão sabe que o governo perdeu completamente a capacidade de cortar gastos e aumentar impostos a fim de gerar superávits primários de 4%. É muito sacrifício para um país cujo déficit está em 2% e o desemprego perto de 10%.
Para piorar, temos pela frente a capitalização da Petrobras, implicitamente já admitida pelo governo, que pode adicionar cerca de 2,5 pontos percentuais à dívida pública e com a Caixa Econômica também à espera da capitalização.
Crises são sempre momentos propícios para arroubos criativos e busca por soluções fáceis. Há diversas sugestões como, por exemplo, usar reservas para incentivar o investimento em infraestrutura, controlar o câmbio e baixar os juros, afrouxar as metas fiscais para horizontes mais longos, entre outras.
Todas seguem a cartilha da “Velha Matriz Econômica”: estimulando o crescimento, poderemos alcançar o ajuste fiscal. A criatividade é tanta que o governo insiste em afirmar que política de crédito não tem relação com política fiscal.
Difícil entender como a taxa de juros a longo prazo não implicaria em subsídio e como não deveria de forma alguma fazer o Banco Central apertar a política monetária. Mas e a inflação? Um dia cairá, já que o mundo é deflacionário.
O mundo, aliás, sempre surpreende o governo e as autoridades monetárias com recessão, políticas expansionistas e juros negativos. Conseguiremos literalmente inserir o Brasil no mundo, em breve, quando os juros ficarem negativos.
Perdemos o bonde da história: desperdiçamos o maná que a China nos deu, jogamos no lixo o tripé macroeconômico que por algum tempo nos permitiu ter o selo de bom pagador e agora corremos o risco de vender nossas joias para nos endividarmos mais.
A história de sair da era do ajuste fiscal para entrar na era do crescimento com responsabilidade é simplesmente uma história. Não existe crescimento com desajustes, nem responsabilidade fiscal que ignore o tamanho do rombo. Enquanto isso, o estoque da dívida e a inflação continuam crescendo.
A triste verdade é que somos gastadores, não investimos e não queremos controlar nada além do mínimo para sustentar ao máximo uma governabilidade precária.
Fonte: Folha de S. Paulo, 16/02/2016.
“O Brasil tem momentos de mais e menos liberalismo”. Confira abaixo nossa entrevista com Solange Srour:
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