É um hábito antigo, mas que não caiu em desuso. Ao contrário. Ganhou cifrões e está na casa dos milhões. Guardar dinheiro embaixo do colchão é um expediente comum entre os políticos. Dos cerca de 25 mil candidatos às eleições deste ano, 7,7% registraram na Justiça Eleitoral ter recursos em espécie. No total, têm R$ 269,7 milhões em dinheiro vivo.
A existência da bolada foi declarada pelos políticos no registro da candidatura na Justiça Eleitoral. Há desde a simplória quantia de R$ 30 no bolso até a milionária cifra de R$ 3,8 milhões. Um terço dos candidatos guarda valores acima de R$ 100 mil. Esses detêm 81,3% do valor declarado com patrimônio monetário em espécie, o equivalente a R$ 219,5 milhões. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 33 candidatos guardam mais de R$ 1 milhão em espécie; só a fortuna desse pequeno grupo alcança R$ 50,5 milhões.
Dez mil dizem não ter patrimônio
Ao preencher o formulário de registro de candidatura, alguns candidatos foram meramente formais. Declararam o valor em espécie informando tratar-se de “dinheiro em mãos”, “em casa”, “em poder do declarante”. Um grupo, porém, revelou que tem o dinheiro, mas não se esquece da segurança. O deputado Ricardo Izar Júnior (PSD-SP), por exemplo, declarou ter R$ 800 mil num cofre. O candidato a deputado estadual em Minas Gerais Celinho do Sintrocel, do PCdoB, registrou assim seus R$ 100 mil: “em espécie guardado em lugar seguro”. O candidato a deputado estadual paulista Professor Diogo Soares (PMDB) contou ter R$ 15 mil com “economias em dinheiro”.
O registro das candidaturas mostra que uma parcela dos políticos disse não ter patrimônio algum. São 10.245 candidatos que nada têm a declarar. Ou seja, nenhum bem ou sequer um centavo em espécie.
Quando procurados, alguns detentores de moeda em espécie, apesar da declaração pública de terem “dinheiro no colchão”, desconversaram e evitaram falar sobre o assunto. Foi o caso do deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG), que declarou à Justiça Eleitoral ter R$ 2,6 milhões em espécie. O parlamentar, que disputa a reeleição, disse que usou como base a lista dos bens que tinha em 2013, quando recebeu uma herança devido à morte de sua mãe. Apesar de marcar no TSE a rubrica dinheiro em espécie, agora, quando procurado, argumentou, por intermédio de sua assessoria, que esse montante não está mais em seu poder e que o dinheiro foi investido. Quintão é o terceiro candidato com a maior reserva de dinheiro em espécie. Ele tem um patrimônio total de R$ 17,8 milhões.
Já o empresário Luiz Carlos do Carmo (PMDB), primeiro suplente de Ronaldo Caiado (DEM) ao Senado, em Goiás, falou abertamente do assunto: disse que registrar devidamente todo patrimônio é dever de qualquer cidadão. Ele declarou ter R$ 1,9 milhão em casa. É o quinto na lista.
— O dinheiro é meu. Fruto do meu trabalho, tenho há muito tempo e coloco onde quiser. Não deixo em banco porque é perder dinheiro; 2%, 3% (de rendimento) é o cúmulo do absurdo. Fui bancário e sei bem como é isso — disse Carmo, cujo patrimônio declarado é de R$ 7,8 milhões.
Ele disse que não se fez financeiramente na política:
— Tenho várias empresas. Mexo com calcário e autopeças. Você viu no meu patrimônio, né? Depois que entrei na política, fiquei mais pobre. O que tenho tirei das minhas empresas.
Com R$ 2 milhões em espécie, Carlos Gaguim (PMDB), candidato a deputado federal no Tocantins, inicialmente negou ter esse valor em mãos. No dia seguinte, seu contador ligou para O GLOBO e admitiu que seu cliente detém reserva em dinheiro. Gaguim, incomodado, acrescentou que acumula dívidas, o que deveria também ser registrado na reportagem.
— Tem que falar de disponibilidade, mas também das minhas dívidas, que também crescem — disse Gaguim, ex-governador biônico de Tocantins.
No final, o candidato afirmou ser perigoso revelar que políticos têm dinheiro em seu poder, apesar da informação ser pública e estar disponível aos eleitores no site do TSE.
— Todas as conversas com a imprensa eu gravo. Se acontecer alguma coisa aqui em casa, meus advogados vão querer processar o jornal.
No topo da lista dos candidatos endinheirados está o empresário pernambucano Marinaldo Rosendo (PSB), candidato a deputado federal. Ele registrou ter em espécie R$ 3,8 milhões. A assessoria de Marinaldo informou que o candidato “não fará considerações sobre sua declaração patrimonial”. Procurado durante alguns dias pelo GLOBO, o deputado federal Fernando Torres (PSD-BA), candidato à reeleição, não retornou às ligações do jornal. Ele informou à Justiça Eleitoral ter R$ 3,2 milhões de “dinheiro em espécie moeda nacional em mãos”. É o segundo maior volume. Na outra ponta desse ranking está uma quantia que cabe no bolso. Nayara Bezerra (PCdoB), candidata à deputada estadual em Roraima, registrou ter R$ 30, a menor quantia entre os que declararam ter dinheiro.
Os quinze maiores declarantes de dinheiro em mãos estão divididos em três regiões: cinco do Nordeste, cinco do Sudeste e cinco do Centro-Oeste. Nesse grupo, os nordestinos acumulam a maior soma. Dos R$ 34,5 milhões em poder dos quinze, os concorrentes dessa região detêm R$ 12,4 milhões.
Três dos onze candidatos à Presidência da República lançaram mão de guardar dinheiro em casa. A presidente Dilma Rousseff (PT) declarou R$ 152 mil em espécie; Levy Fidelix (PRTB), R$ 140 mil “mantido no país”; e Eymael (PSDC), R$ 1 mil.
Para analistas, péssimos investimentos
Especialistas em finanças pessoais não recomendam que cidadãos comuns usem a estratégia dos candidatos de guardar dinheiro em casa. Além do risco de ser roubado, quem deixa quantias sob o colchão perde os rendimentos que teria se aplicasse os recursos no mercado financeiro. William Eid Júnior, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), calcula que, num investimento básico, como caderneta de poupança ou fundo de renda fixa, a cada R$ 100 mil aplicados o rendimento anual varia entre R$ 7 mil e R$ 10 mil.
— Só é recomendado deixar dinheiro em casa se você está esperando uma guerra ou um confisco de poupanças. Mas cá entre nós: nem um nem outro estão previstos num horizonte temporal razoável — diz Eid, para completar: — Sem falar na questão da segurança. O dinheiro pode ser roubado, roído por um rato, perdido numa inundação ou incendiado.
Mauro Calil, especialista em investimentos, acrescenta que declarar a manutenção de quantias em casa é uma maneira de ter margem para manobras fiscais na declaração do Imposto de Renda:
— Se um dia a pessoa compra um bem e não tem renda para comprovar a aquisição, pode justificar o gasto dizendo que usou a reserva que tinha em casa. Não há como contestar. É diferente do que ocorre quando você mantém o dinheiro no sistema financeiro.
A agilidade de transferências bancárias on-line também é citada para descartar a possibilidade de o dinheiro vivo ser mantido sob o colchão para negócios imediatos.
— Imagine que surgiu um belo negócio: seu vizinho quer vender, à meia-noite, o carro dele, que vale R$ 50 mil por R$ 40 mil. Amanhã, você faz uma TED (transferência eletrônica disponível) e fecha o negócio. Nem para negócios de ocasião você precisa do dinheiro — conclui Eid.
Fonte: O Globo
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