Nos meios jurídicos, costuma ser dito a seguinte frase: “Constitucional é o que o STF diz que é”. Sem dúvida, a Constituição garante essa prerrogativa ao Supremo: Dizer se é constitucional ou não o que é enviado a ele.
Contudo, embora não pareça, a frase acima padece de uma ambiguidade. Numa acepção, o que ela quer dizer não passa de uma trivialidade, algo mais ou menos assim: “A decisão sobre a constitucionalidade é prerrogativa do STF”
Mas noutra acepção, quer também dizer: “Não há nenhum fundamento para a Constitucionalidade ou não. Se o STF decide que não temos o direito constitucional de ir e vir, em um processo de uma tiazinha do Whatzapp contra o Governador do Rio de Janeiro ou de São Paulo cuja polícia a algemou e prendeu por estar saindo à rua em desobediência à quarentena, então pouco importa que o referido direito esteja na Constituição, uma vez que constitucional é o que o STF diz que é, não importando o que diz a Constituição.
Salta aos olhos a insinuação maldosa embutida na supramencionada ambiguidade. Algo mais ou menos assim: pouco importa a letra da Carta Magna brasileira, tudo é uma questão de vontade do Ministro do STF, tudo depende de seu bom ou mau humor, se seu calo está doendo ou não, etc.
Há mesmo muita gente que pensa assim considerando um Ministro de nossa Suprema Corte como um soberano absolutista d’antanho que, além de acumular os Três Poderes, decidia conforme lhe desse na telha e sem ter que dar satisfação a ninguém, a não ser Deus, e isto quando o soberano em questão acreditava nEle…
Ora, isto é algo que tem um caráter histórico. Pertence a um vetusto passado, antes da separação dos Três Poderes, de um Poder Judiciário independente, de um Poder Legislativo independente e de um Executivo independente. Cada qual tendo atribuições peculiares e todos regulamentados pelas leis.
Por falar nisso, segundo a Constituição Pátria, é uma atribuição do Chefe do Poder Executivo nomear e exonerar seus Ministros e todos aqueles que estejam sob seus comandos como, por exemplo, o Ministro da Justiça e o Chefe da Polícia Federal adstrita ao Ministério da Justiça.
Suponhamos, porém, que um Presidente da República exonere um Chefe da Polícia Federal e nomeie outro. Suponhamos que o nomeado é sobrinho do Presidente. Se ele fizesse isso, alguém poderia provocar o STF imputando ao Presidente o cometimento de nepotismo. Como todo mundo sabe “nepotismo” é proveniente do latim nepotes. i.e. sobrinho.
O que não é o caso de Fernando Collor de Melo, que nomeou seu primo Marco Aurélio de Melo. Não é o caso de Luiz Inácio da Silva, que nomeou Antonio Dias Toffoli, uma vez que ele não tinha nenhum grau de parentesco com ele, que era apenas advogado do PT, cargo que teve de abrir mão quando da sua nomeação para o STF…
Foi aí então que Jair Messias Bolsonaro nomeou o chefe da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) para chefe da Polícia Federal. Alguém, cujo nome desconheço, pediu ao STF uma liminar cancelando a nomeação sob a alegação de que o nomeado era amigo do Presidente e além disso havia um desvio de finalidade: intervir em investigações da Polícia Federal.
Quanto à primeira alegação, não haveria nenhum problema se o Presidente, num gesto magnânimo, nomeasse um inimigo para um cargo de confiança, mas não um amigo. Não é um caso de nepotismo, mas sim de nomeação política. Como todo mundo sabe, as nomeações do Presidente não podem ser de caráter político.
Por exemplo: nomear para Ministro da Fazenda um médico sanitarista somente porque é uma figura proeminente de seu partido. Para este cargo, tem que ser um economista de notórios méritos, assim como, para Ministro da Saúde, não pode ser um advogado. Não se deve fazer como Vargas que nomeou um pediatra para o STF.
Quanto à segunda, há desvio de finalidade explícito quando uma “Presidenta” nomeia para ministro um ex-Presidente, que estava para ser julgado em segunda instância. Ora, até um mané sabe que a finalidade real era impedir que o réu fosse julgado por desembargadores. Como portador de foro especial, ele só poderia ser julgado pelo STF, e isto nas calendas gregas.
A mencionada liminar caiu em mãos do Ministro Alexandre de Morais e este decidiu favoravelmente a ela. Não importa que o próprio Alexandre de Morais tivesse sido nomeado por seu amigo e aliado político Michel Temer.
O grande constitucionalista Yves Gandra Martins declarou que percorreu a Constituição de cabo a rabo, mas não conseguiu encontrar um único artigo que pudesse embasar a decisão de Alexandre de Morais, de conceder a supramencionada liminar.
A única explicação plausível é que Yves Gandra não encontrou o que estava procurando, por causa de sua avançada idade com seus olhos cansados ou então que Alexandre de Morais tomou sua decisão porque assim quis, sem levar em consideração a Magna Carta brasileira.
Algo parecido com o caso de Jânio Quadros quando indagado pela razão de sua renúncia teria dito: “Fi-lo, porque qui-lo!” Ora, nosso gramático e dramático homem da vassoura, jamais teria cometido esse crime contra o excelso vernáculo. Poderia ter dito, isto sim, “Fi-lo. Porque o quis”.
De minha parte, recuso-me a acreditar que um notável membro do STF, ex-professor de Direito Constitucional da USP, ex-membro do egrégio Ministério Público de São Paulo, um dos Guardiões da Constituição tenha decidido contra a mesma. Não acredito!!!
Será que constitucional e inconstitucional é o que o STF ou uma decisão monocrática de um de seus membros diz que é? Em que sentido desta expressão ambígua? Você decide.
Fonte: “Ratio Pro Libertas”, 09/9/2020
Foto: Agência Brasil