Além de título deste escrito, “Capitalismo de Laços” nomeia livro de autoria de Sérgio Lazzarini, publicado em 2010. Como o próprio autor pontua na apresentação da obra, esta surgiu do seu esforço em conjunto com seus alunos para apurar “o que teria acontecido com as redes de propriedades pós-2003” (LAZZARINI, 2010, p. x). Para chegar à conclusão de que a aparente renovação do empresariado brasileiro e o menor entrelaçamento deste com o Estado era mera ilusão, o autor ampliou a base de dados de firmas e proprietários, permitindo conhecer sem vícios o capitalismo nacional.
Em vários países, assevera, é possível identificar as redes de propriedades, que nada mais são do que “laços estabelecidos entre capitalistas pelo fato de terem posições acionárias conjuntas nas mesmas empresas” (LAZZARINI, 2010, p. ix).
Para quem está vivendo em 2022 é muito fácil apreender as considerações do autor, tendo em vista os já revelados catastróficos fatos ocasionados pela aliança espúria entre os setores público e privado durante anos, vide casos como o “Mensalão”, o “Petrolão”, e demais esquemas descobertos pelas operações de combate à corrupção. Mas há pouco mais de uma década foi que os escândalos passaram a contar com avaliações e desdobramentos mais precisos. Nesse contexto, Lazzarini, por meio dos dados levantados, desvendou os principais traços da participação do Estado na economia, revelando uma quebra de paradigma, já que imperava a crença comum de que as privatizações teriam tornado o capitalismo e o livre mercado bastante presentes no cenário brasileiro.
Não foi bem assim. Para ilustrar, o autor critica veementemente a forma como foram levadas a cabo as privatizações durante o governo FHC, sempre garantindo meios de interferência do Estado. Isso propiciou as articulações em redes de laços corporativos, mormente porque os governos que se seguiram tiveram como praxe maior intervenção estatal na economia. Em outras palavras, se tornou mais fácil criar reservas de mercado, seja regulamentando, seja mantendo setores monopolizados para melhor viabilizar loteamento de cargos e fazer perpetuar no poder um mesmo espectro político.
Hoje é perceptível que o auto interesse de determinados agentes políticos por muitos anos imperou em nível assustador em detrimento do uso devido das suas prerrogativas com vistas ao interesse público. O povo elege mandatários com poderes que perpassam a atividade executiva, legislativa, fiscalizadora, a nomeação de cargos, só a título de exemplo. São tarefas que impactam diretamente na vida de cada indivíduo da respectiva jurisdição. É preciso responsabilidade na escolha desses representantes. Embora não haja mal algum por si só na proximidade pessoal entre agentes políticos e empresários, tais relações jamais devem resultar em articulações que objetivem vantagens particulares ou partidárias, denotando patrimonialismo.
Nesse interim, a Escola da Escolha Pública traz em seu bojo várias ferramentas de compreensão das relações governamentais, de modo a serem essas vislumbradas de maneira menos romantizada e mais realista. Partindo dela, é comum a pergunta: o que ou quem ganha ou perde com determinada ação? Bom, Lazzarini deixa claro desde o início da obra em tela as coincidências – ou o “mundo pequeno” – observadas em fatos que marcaram a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas no Brasil em 2016, por exemplo.
Em tal exemplificação, o autor traz a conjuntura da Vale, privatizada na década de 90, mas que continuou tendo o Estado como um dos maiores acionistas. Durante os anos que sucederam, o empresário Eike Batista tentava o controle da mesma, enquanto doava recursos para a campanha eleitoral de Lula e para o seu filme, e simultaneamente tomava empréstimos do BNDES – também membro controlador da empresa – de maneira que não eram poucos os “pitacos” no que concernia a nomes para o cargo de presidência da Companhia, em clara situação de interferência política.
Assim, “esse emaranhado de contatos, alianças e estratégias de apoio gravitando em torno de interesses políticos e econômicos” (LAZZARINI, 2010, p. 03) compreende o que o autor chama de “capitalismo de laços”. Não significa que tais laços são duradouros, como os de outras naturezas costumam ser, mas sim valiosos para alcançar o fim econômico almejado em completa negação da moralidade.
Do mesmo modo como Lazzarini, Garschagen discorreu, porém com enfoque na ótica histórica, sobre as vastas consequências do agigantamento aqui desenhado, que vão do empobrecimento que a onipresença do Estado em todas as áreas da vida coletiva implica até chegarmos à corrupção endêmica que, sem surpresas, sazonalmente catapulta o nome do Brasil para as primeiras páginas da imprensa internacional (GARSCHAGEN, 2015, p. 11).
É indiscutível, portanto, que entregar ao Estado atribuições que deveriam permanecer, por lógica econômica liberal, unicamente ao setor privado, implica diretamente numa maior interferência nos mercados e numa maior probabilidade de corrupção, haja vista a possibilidade que homens sedentos pelo poder enxergam na utilização do capitalismo de laços para locupletarem-se. De tal forma que, sem dúvidas, a jogatina dos laços apresentada poderia estar no rol exemplificativo de espoliação legal exposto por Bastiat (2010, p. 21) em “A Lei”:
É preciso ver se a lei beneficia um cidadão em detrimento dos demais, fazendo o que aquele cidadão não faria sem cometer crime. Deve-se, então, revogar esta lei o mais depressa possível, visto não ser ela somente uma iniquidade, mas fonte fecunda de iniquidade, pois provoca represálias. Se essa lei — que deve ser um caso isolado — não for revogada imediatamente, ela se difundirá, multiplicará e se tornará sistemática.
Afinal, não é porque “sempre foi assim” no Brasil, usando de expressão de Raymundo Faoro, que interações maléficas à probidade devem continuar a sufocar a prosperidade do país. Em importante ano eleitoral como o corrente, acender o alerta para essas questões parece imprescindível aos cidadãos brasileiros e às autoridades, para que não se desperdicem alguns avanços logrados pelas instituições e para que se opte sempre pelo espírito público.
REFERÊNCIAS
BASTIAT, Frédérich. A Lei. 3. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
GARSCHAGEN, Bruno. Pare de acreditar no governo: por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.
LAZZARINI, Sérgio G. A. Capitalismo de laços: Os donos do Brasil e suas conexões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.