Este é nosso terceiro encontro para tratar dos temas expostos no meu último livro, “Capitalismo – Modo de usar” (Ed. Campus), depois dos dois primeiros da série, que trataram da introdução ao tema e do crescimento expressivo do número de pessoas beneficiadas diretamente por transferências de renda.
A tese central do livro é que o país está despreparado para enfrentar o mundo de hoje, como se fosse um adolescente que se recusa a crescer e teima em não reconhecer a necessidade de encarar a vida adulta.
O tema do artigo de hoje é o papel dos incentivos. Eles cumprem uma função-chave numa economia. E, se o Brasil está em crise, é em parte porque muitos dos incentivos vigentes na economia foram ou são errados. Incentivos certos produzem resultados positivos e incentivos errados produzem resultados ruins. Preparar o país para a modernidade significa rever esse sistema de incentivos.
[su_quote]Incentivos ruins levam empregado a não “vestir a camisa da empresa” e desincentiva a empresa a investir no empregado[/su_quote]
Conceda-se uma mesada sine die a um adolescente e pode-se ter a certeza de que ele não será um bom trabalhador. Adotem-se incentivos equivocados no mercado de trabalho e pode-se ter a certeza de que haverá distorções importantes sendo introduzidas no seu funcionamento.
Se o Brasil parou nos últimos anos é porque quando o crescimento da economia se tornou dependente de melhorias da produtividade e não mais do aumento do emprego – quando o desemprego bateu no piso – ficou patente aquilo que os economistas sabíamos há tempo: que nossa produtividade deixava muito a desejar e o seu crescimento, mais ainda. Ter um maior crescimento implica acelerar o ritmo de incremento da produtividade e isso exige uma agenda de reformas muito mais sofisticada do que o regime de “pau na máquina” da combinação tosca de aumento do gasto público e redução “na marra” da taxa de juros tentada nos tempos de triste memória da equipe econômica anterior à atual.
Um elemento chave dessa agenda deve ser o desenvolvimento de laços de solidariedade entre os trabalhadores e as empresas, ou seja, aquilo que Ricardo Paes de Barros definiu certa vez como a prática de “o empregado investir na empresa e a empresa investir no empregado”. Isso requer uma visão de longo prazo de ambas as partes, porque há uma palavra chave associada ao tema – treinamento – que tem um custo e que só faz sentido que seja assumido se houver a perspectiva de que será pago com o tempo.
Será que o trabalhador alemão trabalha muito mais tempo por semana que o brasileiro? A resposta é: não. Por que o trabalhador alemão ganha muito mais que o brasileiro? A resposta é: porque ele é muito mais produtivo, isto é, as empresas podem pagar mais a um trabalhador alemão porque ele vai produzir muito mais que o brasileiro, em média, fazendo com que o custo da mão-de-obra por unidade seja palatável.
A pergunta natural então é: por que o trabalhador alemão é mais produtivo que o brasileiro? Porque ele é muito mais preparado. E por que ele é muito mais preparado? Porque há muitas horas de dedicação prévia por trás disso. Ou seja, o empregado participou de bom grado de treinamentos, porque entendeu que isso seria do interesse mútuo dele e da empresa e vice-versa: a empresa apostou nele porque acreditou que valeria a pena.
Como fazer isso no Brasil, com a rotatividade de mão de obra que temos? E como mudar essa realidade da rotatividade se, em parte, os incentivos no mercado de trabalho são para que uma fração importante dos trabalhadores recebam ganhos por ocasião da demissão e para que a empresa evite que o empregador permaneça muitos anos no emprego, pelo custo que poderia ter a sua eventual demissão depois de muitos anos no lugar? Isso faz com que o empregado não “vista a camisa da empresa” e desincentiva esta a investir no empregado. O resultado é que a formação de nossa mão de obra – já negativamente afetada por uma educação precária – não é fortalecida no trabalho. O corolário disso é um contingente de trabalhadores, em média, muito mal preparado para enfrentar o mundo de hoje.
O gráfico ao lado é uma expressão eloquente dessas distorções. Ele mostra a combinação esdrúxula de um contingente de desempregados que, no período 2003/2014, encolheu fisicamente 55 %, ao passo que o valor dos desembolsos do FAT, responsável pelo seguro-desemprego, aumentou em termos reais espantosos 185 % no mesmo período. Com desemprego em queda! Não é preciso ser um gênio para perceber que há algo muito errado. É o que a equipe liderada por Joaquim Levy tem tentado mudar. Embora seja verdade que consertar isso em épocas de crise é duro, a pergunta óbvia é: por que o governo não propôs mudar tais regras na época das “vacas gordas” da economia brasileira? Daqui a um mês fecho esta série de quatro artigos.
Fonte: Valor, 14/10/2015.
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