“Nenhum presidente de empresa privada acumula tanto poder, controla tantos destinos, atrai tanta inveja. Nenhum outro posto da administração pública sofre tanta pressão, recebe tanto escrutínio, é alvo de tantos ataques. Nenhum emprego tem, simultaneamente, tamanha força e fragilidade. É o pior emprego do mundo.” Assim o cargo do ministro Paulo Guedes é definido pelo jornalista Thomas Traumann em “O pior emprego do mundo”, lançado no meio da campanha eleitoral do ano passado. Traumann, ex-assessor de ministros como Antonio Palocci e Henrique Meirelles e ex-secretário da Comunicação no primeiro governo Dilma Rousseff, conversou com 14 antecessores de Guedes. Consultou dezenas de obras e estudos para reconstituir, num relato sintético, a história econômica recente do Brasil. O livro termina antes da eleição de Jair Bolsonaro e nem cita o nome de Guedes, apesar de ele ter sido um dos principais críticos das políticas econômicas dos governos tratados. Mesmo assim, é uma leitura fundamental para entender o drama do novo ministro. Nem tanto por causa do título de efeito, mas por oferecer um resumo competente da gangorra interminável a que a vida do brasileiro foi submetida nas últimas décadas, em virtude de políticas e choques econômicos.
O resultado está dividido em capítulos temáticos, não necessariamente cronológicos, organizados em torno das principais crises, entremeados por breves perfis dos ex-ministros que tomaram decisões para combatê-las. Estão lá o milagre econômico e a dívida externa, a sucessão de planos fracassados no combate à inflação, o confisco promovido por Collor, a maquiagem cambial de FHC, o risco da eleição de Lula, o estouro da bolha financeira de 2008, a estapafúrdia nova matriz econômica de Dilma, os protestos de 2013 e a recessão de que ainda não nos recuperamos. Traumann é generoso ao ouvir a versão dos envolvidos, deixa em segundo plano escândalos de corrupção, não é veemente nem na condenação nem no aplauso às políticas adotadas. Não faz juízo de valor econômico entre ortodoxos e heterodoxos. Mas não se deixa contaminar pela ligação pessoal com alguns protagonistas. Fez um trabalho essencialmente jornalístico.
Veja mais de Helio Gurovitz:
A alma do governo Bolsonaro
Rombo fiscal é crítico nos estados
O desgaste dos militares no poder
Traz duas lições, ambas aplicáveis ao atual governo. A primeira diz respeito à natureza do cargo de Guedes. No regime político brasileiro, o comandante da principal pasta econômica exerce uma função comparável à de um primeiro-ministro no parlamentarismo. Toda decisão importante passa por sua mesa. Mas ele não tem nem o mandato popular nem a sustentação política que protege os premiês. Sua dependência do presidente para a própria sobrevivência é, portanto, absoluta. Mesmo nomes que tinham autonomia e confiança plena acabaram caindo, vítimas de circunstâncias políticas. Se a economia é o fator principal para o sucesso de qualquer governo, mesmo uma política econômica de sucesso é insuficiente para garantir a permanência do ministro-comandante no cargo, como demonstram os casos de Rubens Ricupero (governo Itamar Franco) ou Palocci (governo Lula). O líder da pasta econômica depende mais da política que o presidente da economia. Ninguém vota para ministro.
A segunda lição é consequência da primeira e ainda mais importante: o segredo para o êxito da política econômica está não apenas no conhecimento técnico ou na visão estratégica dos desafios a enfrentar. Depende sobretudo da relação entre ministro e presidente. Não se trata apenas de química pessoal, mas de confiança mútua e capacidade de resistir às pressões em conjunto. Os casos de Marcílio Marques Moreira (governo Collor), Guido Mantega (governos Lula e Dilma) e Henrique Meirelles (governo Temer) comprovam que erros e escândalos ficam em segundo plano diante de estratégias de convivência. Bolsonaro não está errado quando descreve sua relação com Guedes como um namoro, seguido de casamento. Ninguém vive feliz para sempre depois de casar — mas mesmo casamentos de conveniência podem dar certo, ser férteis e produzir uma descendência feliz.
Fonte: “Época”, 11/01/2019