As festas gregas, especialmente as de casamento, costumam ser muito animadas. O casamento monetário da Grécia com a Comunidade Europeia não foi diferente: foram vários anos de pura euforia.
O país teve a oportunidade de surfar uma grande onda de juros reduzidos, pois pegou carona na credibilidade alemã. Mas os deuses do Olimpo se esqueceram de ensinar a seu povo lições básicas de economia.
Como Ícaro, os gregos pensaram que era possível voar cada vez mais alto. Ignoraram os alertas de Dédalo – e, como seu filho, desabaram rumo ao mar. Quando a fase de bonança acabou, os gregos se viram com um governo totalmente falido após anos de gastança irresponsável. Sem uma moeda própria, ficaram sem a tradicional válvula de escape para tais crises: desvalorização e inflação. Resta a opção do divórcio litigioso.
Mas os gregos não desistiriam tão facilmente assim. Antes de assinar o divórcio, a Grécia ainda contava com uma cartada: chantagear seus parceiros com o risco de doença contagiosa. Se a Grécia desse o calote em suas dívidas, isso poderia produzir uma corrida bancária na região toda. Caberia a Alemanha, portanto, assumir o passivo e bancar a conta da farra grega.
Acontece que alemão não gosta da ideia de pagar pelo erro dos outros (alguém gosta?). Sua economia, após reformas responsáveis, estava indo de vento em popa. O Oktoberfest tinha tudo para continuar. Mas antes de outubro vem setembro, mês das grandes crises. E a Grécia apareceu para estragar a festa.
O agravamento da crise chegou a patamar tão sério que autoridades alemãs começaram a falar abertamente na hipótese de expulsão da Grécia da comunidade. As crescentes incertezas geraram enorme volatilidade nos mercados. O euro, apesar da intervenção de alguns governos, perdeu finalmente o piso de US$ 1,40. Os bancos europeus despencaram, e o spread interbancário na região disparou, denotando total falta de confiança entre os bancos.
O risco de uma crise da magnitude de 2008 voltou a assombrar os mercados. A Itália enfrentou dificuldade na rolagem de suas dívidas, tendo que pagar taxa maior. Dois grandes bancos franceses foram rebaixados pela Moody’s. E o BCE teve que disponibilizar linhas em dólar para alguns bancos europeus, pois o mercado americano está quase fechado para eles. O mal-estar é geral, e todos parecem à espera de um milagre que salve a Europa.
Todos os olhares se voltam para a Alemanha, única em condições de matar no peito o problema. Mas a demora em tomar alguma atitude mais agressiva fez com que o tamanho do problema atingisse outra dimensão. Um calote grego desorganizado provavelmente levaria a uma corrida bancária na região. A Itália corre o risco de afundar junto. Alguns chegaram a sonhar com uma ajuda chinesa para reverter esta situação. Sonhar é barato.
Enquanto o clima de racha geral toma conta da Europa, o Fed estuda a possibilidade de uma Operação Twist: comprar títulos longos e vender títulos curtos, para pressionar a taxa longa sem elevar o balanço já deveras esticado do banco. O problema é que as taxas de dez anos já estão em 2% ao ano. Reduzi-las na marra não vai resolver nada. A sombra do caso japonês parece cada vez maior, ofuscando as “brilhantes” idéias do “iluminado” Bernanke.
No Brasil, sob o comando do DJ Guido Mantega e seu colega Alexandre Tombini, o Copom cortou a taxa de juros com base na deterioração do quadro europeu. Para quantificar o efeito da piora do cenário externo, a autoridade monetária fez uso de um modelo de equilíbrio geral dinâmico estocástico, denominado SAMBA (“Stochastic Analytical Model with a Bayesian Approach”). Mas, a despeito de seu verniz científico, a verdade é que ele não passa de um modelo altamente impreciso, repleto de variáveis estimadas e poucas amostras. Em linguagem mais clara: chute.
E assim chegamos a este tenso momento para os mercados. O casamento grego indo para o espaço, o Oktoberfest chegando ao fim antes de outubro, todos torcendo para que o BCE garanta mais liquidez para preservar a festa, o Fed tentando dançar o Twist e nosso BC apelando para o samba do crioulo doido. Como essa loucura toda vai acabar?
Não tenho bola de cristal, naturalmente. Mas arrisco dizer que o próprio euro, um projeto político acima de tudo, corre risco de vida. Para salvá-lo, muitos pressionam por maior integração na região, ou seja, a Alemanha pagando a fatura dos gregos e romanos. O risco é o tiro sair pela culatra, e a Alemanha cansar disso tudo e pular fora de vez. Divórcio custa caro, mas pode ser melhor que viver num casamento infernal.
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2011
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