Em meio a batalhas judiciais há mais de dois anos, os moradores de Iguaba Grande já não sabem responder com convicção quem, afinal, governa o balneário, na Região dos Lagos. Agora, com o afastamento da prefeita Ana Grasiella Magalhães (PP) confirmado, eles voltam às urnas, no dia 2 de junho, para escolher um novo mandatário. Ventos incertos também sopram sobre a administração de outras cidades do Rio. Enquanto, na capital, o prefeito Marcelo Crivella enfrenta um processo de impeachment, 20 municípios fluminenses (21,7% dos 92 no estado) já assistiram a seus gestores, eleitos em 2016, virarem alvo de decisões da Justiça — seja a eleitoral ou a comum — que os cassaram, afastaram ou até mandaram para a prisão.
Seis dessas cidades (Aperibé, Cabo Frio, Laje do Muriaé, Mangaratiba, Rio das Ostras e Teresópolis) tiveram, inclusive, eleições suplementares para substituir os prefeitos defenestrados. Depois de Iguaba Grande, será a vez de Paraty fazer o mesmo em pleito ainda sem data definida. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve, no último dia 23, a decisão da Justiça eleitoral do Rio de cassar o prefeito, Carlos José Gama Miranda, o Casé (MDB), por abuso de poder político em sua reeleição. Ele é acusado de ter começado a entregar títulos do programa Paraty, Minha Casa é Aqui durante a disputa de 2016, o que foi entendido como favorecimento a sua campanha.
— Num país de escândalos, sou cassado por dar escrituras a bairros que existem há 60 anos — argumenta o prefeito, que deverá deixar o cargo assim que for notificado, mas considera a decisão injusta. — A condenação não é uma punição para mim, mas para Paraty, que pode ter que paralisar obras. Vamos recorrer. Mas sabemos que será difícil. O processo político no Brasil está ficando impraticável. Daqui a pouco, pessoas boas não vão querer mais participar.
Em Iguaba Grande, a prefeita Ana Grasiella, nora do ex-mandatário Oscar Magalhães, governou por liminar. Para o Tribunal Regional Eleitoral do Rio, sua eleição era uma espécie de terceiro mandato consecutivo de seu grupo familiar, o que não é permitido. Ano passado, ela foi retirada do cargo, mas voltou. Na Justiça comum, foi acusada de fraude em licitação. Até que, em março, o STF confirmou o indeferimento de sua candidatura, autorizando a nova votação.
A defesa dela, no entanto, tentará uma reviravolta. Lembra que o processo não tem “por objeto crime ou idoneidade moral”. E alega que o segundo mandato do sogro de Grasiella foi interrompido por motivo de doença.
Prestes a completar 24 anos de emancipação, a cidade padece com o desemprego e a decadência do turismo, agravada pela poluição da Lagoa de Araruama. Nascido e criado lá, o corretor de imóveis Marcos Costa lamenta também a falta de urbanização e o assoreamento do Rio Salgado, que desemboca poluído na Lagoa, a 300 metros da prefeitura.
— Quando chove, o cheiro de esgoto é insuportável — diz ele, que, com uma enxada, revolve e exibe a lama podre que fica no fundo do rio e da lagoa.
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Interinamente à frente do município, Balliester Werneck, presidente da Câmara dos Vereadores, conta que, ao assumir, encontrou serviços públicos parados e dívida de R$ 400 mil com uma concessionária de energia elétrica.
Há cidades em que os prefeitos ainda não caíram, mas seguem ameaçados. É o caso de Itaguaí, Italva e Saquarema, que vivem à sombra de decisões para a cassação de seus gestores, que se seguram no cargo enquanto aguardam o julgamento de recursos na Justiça eleitoral. Carlo Busatto Júnior, de Itaguaí, foi cassado pelo TRE depois de condenado por fraude em licitação e corrupção passiva qualificada. Segundo ele, seu recurso tramita em instâncias superiores.
Em Itaperuna e Búzios, as pendências são com a Justiça comum. No município do Noroeste Fluminense, o prefeito Marcus Vinicius de Oliveira Pinto (PR) foi afastado em março — acusado de improbidade por irregularidades no contrato da coleta de lixo — e quem governa é o vice, Paulo Rogério Boechat. Esta semana, O GLOBO não conseguiu contato com o município.
Histórico de indefinições em Búzios
Em Búzios, por cinco vezes, a Justiça determinou o afastamento de André Granado (MDB), que segue no cargo. Numa das decisões, revertida depois, a suspeita era de fraude em 21 contratos de licitação. A mais recente, de março, foi por improbidade administrativa, por suspender a convocação de aprovados em um concurso de 2012. Em nota, a prefeitura diz que, na época, ele acreditou ser mais prudente reavaliar o impacto orçamentário das contratações e apurar eventuais irregularidades.
“O prefeito entende que a decisão de afastá-lo foi injusta, fora dos padrões para o tipo de matéria. Ele acredita que haverá reforma desta decisão agora, no Tribunal de Justiça, com o sucesso do recurso”, afirma o texto.
Na cidade, há quem tenha desistido de acompanhar o que parece até uma novela.
— Acho que hoje ele é o prefeito. Mas não tenho certeza — dizia, na quarta-feira, o pescador Jorge Cardoso.
Assim como em Iguaba Grande, velhas demandas se arrastam, como o término da reurbanização da Avenida José Bento Ribeiro Dantas, de acesso à cidade. Semana passada, um operário colocava de volta no lugar uma placa com informações sobre a obra, perto da Praia da Tartaruga. Nela, a intervenção estava prevista para terminar em fevereiro, mas, olhando em volta, fica claro que há muito a fazer.
O cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, observa que impasses judiciais impactam o cotidiano da população.
— A administração fica prejudicada — afirma. — Mas faz parte do jogo, que exige uma morosidade, como garantia de defesa dos acusados e em respeito ao voto dos cidadãos.
Nesse sentido, quatro alcaides que enfrentaram decisões de cassação tiveram a sentença reformada em instâncias superiores: os de Porciúncula, Araruama, Duque de Caxias e Belford Roxo.
Em Japeri e Niterói, no entanto, os mandatários foram presos. Carlos Moraes Costa (PP), do município da Baixada, foi para o xadrez por associação para o tráfico de drogas. E o niteroiense, Rodrigo Neves (PDT), num desdobramento da Lava-Jato, em dezembro de 2018, acusado de receber R$ 10 milhões do reembolso da gratuidade de ônibus. Sua prisão foi revogada em março, no Tribunal de Justiça. “Até hoje o prefeito sequer foi ouvido, nunca respondeu a nenhum processo, sequer é réu”, diz a assessoria de Neves, acrescentando ainda a ausência de “quaisquer indícios que coloquem em dúvida a seriedade da gestão de Niterói”.
Por fim, um caso peculiar foi o do ex-prefeito de Porto Real, Jorge Serfiotis (MDB), que se tratava de um câncer e foi afastado por liminar porque não teria se licenciado. Em julho de 2017, ele morreu. Já num 21º município, Mesquita, a Câmara Municipal afastou o prefeito Jorge Miranda (PSDB), em 2017, mas a Justiça o manteve no cargo. A última decisão foi do começo deste ano.
O que dizem os prefeitos
O Ministério Público Eleitoral ainda pede o afastamento de outros alcaides, entre eles o de Belford Roxo, Wagner Carneiro dos Santos, o Waguinho (MDB), que responde também por ações de improbidade administrativa. A defesa de Waguinho ressalta que, nesses casos, não há condenações. Um pedido de afastamento, dizem os advogados, foi negado na primeira instância e por dois desembargadores.
Em Duque de Caxias, em agosto de 2017, a plenária do TRE tinha entendido que, por ter sido condenado por crime ambiental pelo STF, Washington Reis (MDB) ficou enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Ele era acusado de irregularidades em terrenos de um loteamento de Xerém, no entorno da Reserva de Tinguá. Em março deste ano, no entanto, o TSE deu parecer favorável ao recurso contra o afastamento do prefeito. Segundo a prefeitura, em nota, o pedido de indeferimento da candidatura de Reis tinha sido motivado pelos adversários do prefeito, derrotados em 2016. O texto reproduziu uma declaração do mandatário, na qual ele afirma que seus opositores “não se conformam com a derrota e, desde que a eleição passou, continuam tentando provocar uma espécie de terceiro turno em Duque de Caxias”.
Entre quinta e sexta-feira, O GLOBO não conseguiu contato com as prefeituras de Saquerema e Japeri. Em Italva, funcionários da Procuradoria do município e da Secretaria de Cultura, que responde pela comunicação na cidade, disseram que não podiam responder sobre as acusações contra a prefeita Margareth Rodrigues (PP), que não foi localizada. O GLOBO também tentou contato com o gabinete da mandatária.
Já em Laje do Muriaé, o ex-prefeito Rivelino Bueno (PP) foi cassado sob a acusação de compra de votos e abuso de poder político nas eleições de 2016. Ele, no entanto, se defende:
— Infelizmente, nos acionaram judicialmente alegando irregularidades nas eleições, cujo processo encontra-se pendente de julgamento no TSE.Apesar de derrotas na primeira e segunda instâncias, temos a consciência tranquila de que houve equívocos nestes julgamentos e temos a esperança de que a instância máxima da Justiça Eleitoral venha a reconhecer essas inconsistências, sendo a principal delas a valoração de depoimentos testemunhais inidôneos e parciais. Tanto é que essas testemunhas foram contratadas sem concurso público e de forma precária pelo atual governante e que foi parte no referido processo eleitoral, maculando, ainda mais as decisões tomadas pelo Poder Judiciário Eleitoral — afirma ele.
O ex-prefeito de Rio das Ostras, Carlos Augusto Carvalho Balthazar, disse que o afastamento do cargo foi motivado pelo fato de ter participado de um culto religioso em comemoração ao aniversário da mulher, em 2008, durante o período eleitoral.
— Inicialmente, fui suspenso de participar de eleições por 3 anos, ou seja, até 2011. Depois a lei aumentou e essa sanção foi de 3 para 8 anos. Mas o STF, por 6 votos a 5, entendeu que a lei poderia retroagir. Então a suspensão que iria até 2011, foi até 5 de outubro de 2016, 3 dias depois da eleição que me elegeu prefeito de Rio das Ostras — afirmou.
Neste sábado, O GLOBO também procurou os ex-prefeitos de Aperibé, Cabo Frio e Teresópolis, mas não obteve respostas. No caso de Teresópolis, em março do ano passado, Mário de Oliveira Tricano (PP) tinha desistido de uma liminar que o mantinha no cargo. Com isso, foram convocadas novas eleições. As decisões contrárias aos prefeitos de Araruama e Porciúncula ocorreram em primeira instância, mas reformadas ainda no TRE.
Fonte: “O Globo”